Trends

Liderar remotamente: mitos e realidades

Tempos inimagináveis de medo e de incerteza

Vivemos há mais de um ano numa espécie de vida entre parêntesis, em que muitos dos nossos hábitos e rituais, que determinam a nossa cultura e identidade, tiveram de ser substituídos à força por outros hábitos e rituais, estranhos e despersonalizados, em que o toque humano foi obliterado da nossa vida por imperativos de sobrevivência.

Olhamos para as notícias e deparamo-nos com cenários que evoluem de dia para dia, muitas vezes de forma inesperada e a uma velocidade antes inimaginável. Sentimos que vivemos rodeados de incerteza, de ambiguidade e de perigo, um perigo invisível que nos tolhe na nossa humanidade nos mais pequenos gestos. O medo passou a fazer parte do nosso quotidiano.

Estamos carentes de calor humano, e damos por nós a perder a memória de como ele se dá aos outros num quotidiano descontraído… interrogamo-nos por vezes se iremos alguma vez voltar a abraçar alguém sem medo. A falta de calor humano enche-nos de angústia.

E é neste quadro que muitas vezes ouço dizer o quão difícil é liderar nestes tempos, em que as pessoas e as equipas estão na sua grande maioria a trabalhar remotamente. “Como posso motivar pessoas à distância?”, perguntam-me… “Como posso garantir que são produtivos se estão longe de mim?”, outra pergunta que frequentemente me fazem. “Tenho de aguentar e esperar que a pandemia passe para ser o líder que gostava de ser…”, desabafam.

Apesar de ser uma constatação corrente, gostaria de partilhar convosco a minha experiência nesta área. E permitam-me começar por vos dizer que discordo totalmente deste “baixar de braços” face às adversidades que vivemos.

It’s about people, not presence

Boa parte destas dúvidas é perfeitamente razoável, mas parte de uma premissa a meu entender errada.

A produtividade e a motivação não têm a ver com a presença física, mas sim com a proximidade, que são coisas completamente diferentes. É muito curioso constatar que antes da pandemia muitos líderes a quem eu faço coaching costumavam dizer-me que não tinham tempo para serem melhores líderes. “Eu gostava muito de aperfeiçoar a minha liderança junto das minhas pessoas, mas tenho tanta coisa para fazer que nunca tenho tempo para o fazer… quando as coisas acalmarem vou melhorar a minha liderança!”, ouvi eu vezes sem conta…

Ora bem, este desabafo tão comum em líderes muito bem intencionados, mais não era que um equívoco gerado por aquilo a que eu chamo a ilusão da conveniência. E no que consiste a ilusão da conveniência? No efeito procrastinador resultante de darmos as pessoas e a sua presença física como um dado adquirido. É tão conveniente que nos relaxa inadvertidamente!

Eu preciso de dar feedback ao meu melhor vendedor, e tenciono fazê-lo já na segunda-feira de manhã… mas chego ao fim do dia nessa segunda-feira e tive tantas reuniões e calls e interrupções para gerir que acabei por não ter tempo de o chamar à parte e conversar com ele… agora já não tenho energia e acabo por deixar para amanhã (afinal ele está aqui mesmo “à mão”). E terça-feira começo o dia com a intenção de conversar com ele e a história repete-se, indefinidamente.

O facto de ter os colaboradores no mesmo espaço físico que eu cria-me a ilusão de que será mais fácil desenvolver uma liderança próxima, mas a verdade é que a questão não tem a ver com a presença física, mas sim com a minha determinação em estar próximo, mesmo que à distância… Confusos? Passo a explicar já a seguir…

Muitos dos líderes que se queixavam que não tinham tempo para fazer uma liderança próxima por falta de tempo, deram por si, de forma intuitiva, a desenvolver em tempos de pandemia uma liderança muito mais próxima, por muito paradoxal que isto pareça… o que se passou? Simples, as pessoas deixaram de ser algo que estava convenientemente “à mão” para passarem a ser algo que eu tenho de gerir à distância de uma webcam, um microfone e um teclado, ou mesmo de um smartphone. E o que parecia abundante e conveniente passou a ser escasso e aparentemente mais difícil de aceder.

Essa perceção de que tinham perdido a proximidade às pessoas levou a que procurassem compensar de alguma forma essa perda com um estreitar dos ciclos de acompanhamento e orientação. Subitamente, líderes que iam liderando a equipa através de interações casuais e não programadas, por vezes a ciclos longos e irregulares, deram por si a sentir a necessidade de desenvolver rituais de partilha e pontos de situação a ciclo curto e regular (uns semanalmente, outros até diariamente). E desta forma, líderes que antes não tinham tempo para acompanhar as suas equipas, deram por si a ter tempo para o fazer.

Foi o tempo que mudou? Não. Foram as suas cabeças. E a prioridade que a gestão das pessoas tinha no fluxo de trabalho quotidiano. A interação humana passou a ser um parente rico da gestão.

Ainda assim há preocupações que fazem sentido e outras não. Vejamos então cada uma delas…

Não tem a ver com presença, mas sim com energia

Liderar remotamente não é mais difícil por ser mais difícil motivar pessoas à distância. Isto é uma falsa questão. Quem tinha dificuldades em motivar pessoas presencialmente continuará a ter essa dificuldade remotamente e quem as motivava de forma poderosa presencialmente continuou a fazê-lo à distância. Porque motivar tem a ver com ativar a energia de cada um através de um propósito inspirador, uma visão de futuro mobilizadora, objetivos poderosos, uma distribuição de trabalho aproveitando os talentos de cada um e o dar feedback de qualidade. E tudo isso pode ser feito presencialmente ou à distância.

Liderar remotamente não é mais difícil por ser mais complicado garantir que as pessoas são produtivas à distância. Mais uma vez essa é uma falsa questão, gerada pelo síndroma do presenteísmo. Sobre este fenómeno falei no meu último post “Aprendizagens em tempos inimagináveis”, recordando que temos de passar do paradigma tradicional da supervisão e controlo para o novo paradigma da liberdade e da responsabilização. Temos de passar a liderar estabelecendo metas e entregáveis e pedindo contas pelos resultados, pela qualidade dos mesmos e pelo cumprimento dos prazos, e não tanto verificando onde e quando o trabalho foi feito. Se dermos essa flexibilidade aos nossos colaboradores, eles tenderão a retribuir com mais disponibilidade e dedicação.

Não tem pois a ver com presença, mas sim com energia! Que energia é que transmitimos à equipa?

Então porque é que liderar remotamente é mais difícil (porque de facto parece ser, não é?)? Porque não basta ter uma liderança mais próxima, com momentos de partilha e de ponto de situação a ciclo mais curto. Também o conteúdo dessa partilha tem de ser ajustado.

Porquê? Porque nos falta hoje em dia a “dimensão humana” das interações informais no trabalho. Hoje, sem darmos por isso, estamos permanentemente em reuniões de trabalho, seja por Zoom, por Teams, por Skype, por Webex ou por qualquer outra plataforma. Imaginem o que seria a nossa vida antes da pandemia se estivéssemos sempre em reunião, sem conseguir sair da sala… infernal, não seria?

E seria infernal porque não teríamos tempo para aquela pequena conversa no corredor com o colega com quem precisávamos de “trocar umas ideias”, ou para aquela conversa tonta sobre banalidades da vida naquele café descontraído na copa, ou mesmo para aquele pequeno gesto de incentivo quando nos cruzávamos com um colega mais tristonho.

Foi isso que perdemos. Essa “cola emocional” que nos alimenta de energia e nos mantém juntos, para além das interações formais de trabalho. E sim, são esses momentos que temos de alguma forma de garantir que continuam a acontecer mesmo à distância.

Por isso mesmo vi alguns líderes a ter ideias originais para promover esses momentos, como por exemplo os “Happy 5 Minutes”, um ritual em que os primeiros 5 minutos de qualquer reunião são dedicados a contar um episódio pessoal engraçado ou uma curiosidade sobre algum dos participantes da reunião.

Uma forma de resgatar a nossa humanidade, de nos fazer sorrir, mesmo à distância.

Liderar à distância é afinal mais difícil? Muitas vezes parece, mas se calhar não é. É apenas diferente…

Deixo-vos por fim um pequeno vídeo com 5 conselhos sobre como gerir equipas remotamente. Enjoy it!

Reflexões

As marcas que mudam a nossa vida

A nossa vida é feita de marcos que deixam marca

Escrevo este post a partir da minha já velha cúmplice Luanda, onde vou dar aulas de Liderança, depois de ter estado ontem no Porto num evento sobre gamificação, tema que acompanho profissional e academicamente. Assim que aterrar de volta estarei a preparar a minha ida para Londres, para um evento de um parceiro de negócios, sendo que nos intervalos desta correria tenho de deixar prontos mais uns quantos negócios para serem fechados.

Para alguns isto seria um castigo ou um calvário, mas para mim é uma alegria. Não porque acredite que a felicidade se faz só do trabalho, mas porque tive a felicidade de atingir um estádio em que só faço aquilo que gosto.

Sempre me irritou o termo “work-life balance”. Não porque não acredite ou defenda o conceito de equilíbrio, mas porque esse equilíbrio é feito entre as diversas dimensões da vida, uma das quais é o trabalho. Logo, o termo é estúpido (equilíbrio entre trabalho e vida), pois que eu saiba eu não estou a falecer enquanto estou a trabalhar!

Acredito plenamente que não serei um bom pai para os meus filhos se não for também um profissional realizado. E o inverso também é verdadeiro. Nós realizamo-nos enquanto seres integrais e plenos, quando deixamos a nossa marca no mundo ao nível pessoal, profissional e até espiritual. Uma marca exclusivamente profissional é uma marca relevante, seguramente, mas mais pobre. No limite, o que devemos perguntar periodicamente a nós mesmos é como queremos um dia ser recordados. E eu não quero ser recordado apenas por ser um bom professor ou por ter sido um executivo bem sucedido. Quero ser recordado por ter sido um bom pai, um bom cidadão, um bom amigo. Em qual destas dimensões o desafio é maior é que já é uma questão mais difícil 😉

Mas para além de querermos deixar a nossa marca no mundo, a verdade é que também a nossa vida é feita de marcos que deixam marca, ou seja, o efeito que outros deixaram em nós.

As personagens da nossa vida

Para ilustrar o efeito telúrico das marcas que outros podem deixar em nós, costumo contar uma história verídica, que aqui replico.

Algures no passado, numa entrevista extremamente importante para uma oportunidade profissional de sonho, um dos entrevistadores perguntou-me: “o que o levou a tirar um PhD se não é um académico de carreira?”… perante esta pergunta, sorri e dei uma resposta que os deixou surpreendidos: “foi por causa da minha mãe”. Naturalmente que depois tive de explicar… A minha mãe era a segunda de três filhos no seio de uma família modesta da Lisboa típica dos anos 30, à beira do rebentar da II Guerra Mundial. Numa família portuguesa da época com poucos recursos, não havia hipótese de todos os filhos seguirem os estudos para lá da escola primária. O meu avô, com a sabedoria possivel à época, seguiu um critério muito comum na altura, que hoje seria considerado uma barbaridade: “tendo eu 2 filhas e 1 filho, vou dar a oportunidade de estudar ao rapaz.”… Ora bem, o sonho da minha mãe era ser advogada, e tanto quanto sei sobre o seu potencial intelectual, ela teria dado uma jurista fabulosa. Mas teve o azar de nascer numa época em que um critério sexista e nada esclarecido lhe tirou a oportunidade de ter tido uma carreira completamente diferente. Ironicamente, o meu tio que teve a oportunidade de estudar não passou do 1º ano do ciclo e foi empregado de mesa a vida toda. A minha mãe não pôde ter mais do que a 4ª classe e chegou a chefe de departamento numa empresa privada, numa actividade profissional que hoje já não existe (dactilografia). Mas podia ter sido uma brilhante advogada… Por isso, explico eu em conclusão, desta história eu tirei uma grande lição que me orientou para o resto da vida: as oportunidades têm de ser agarradas com unhas e dentes, pois nunca sabemos se e quando voltarão a surgir. As oportunidades são uma benção que devemos agradecer retribuindo com trabalho, dedicação, ambição e profissionalismo, no fundo o legado que a minha mãe me deixou, e que eu tento honrar todos os dias. Foi por isso que eu dediquei o meu PhD a ela, apesar de ela já não ter podido apreciar a sua conclusão plenamente.

E esta é uma das histórias que marcará a minha vida para sempre.

Há pessoas que viverão sempre dentro de nós

Como eu costumo ensinar aos meus alunos, nos momentos importantes da nossa vida há sempre alguém que esteve lá, seja para nos ensinar algo, seja para acreditar em nós e nos apoiar, seja para nos dar uma oportunidade. Essas são pessoas que passam a fazer parte do nosso património pessoal, e que prevalecem para lá da sua própria passagem por este mundo.

A minha mãe foi uma delas.

Apesar da sua modesta educação formal, o seu exemplo deixou em mim enormes marcas e moldou aquilo que eu hoje sou.

Foi com ela que aprendi o valor do trabalho e da excelência. Foi com ela que aprendi que a liderança envolve proximidade mas também distância. Foi com ela que aprendi que para sermos seguidos temos de ser respeitados, o que implica respeitar os outros, darmo-nos ao respeito e sermos irrepreensíveis no exemplo que damos.

Se foi com meu pai que aprendi o valor da justiça e ganhei o gosto pelos livros e pela leitura, foi com a minha mãe que aprendi o valor de escutar os outros e ganhei o gosto pela escrita (ainda hoje guardo a máquina de escrever onde ela trabalhava à noite em casa e onde eu escrevi as minhas primeiras linhas de prosa).

Como eu gostava de ser capaz de educar os meus filhos como ela nos educou a nós! Por muito mal que nos comportássemos ela nunca perdia a calma e fazia questão de resolver sempre tudo a conversar connosco. Mesmo quando eu era um catraio de dez anos incorrigível e endiabrado que não queria escutar, ela enchia-se de paciência e falava comigo, com uma calma que eu apenas ambiciono um dia ter, mas da qual ainda estou tão longe…

Ela foi sempre um pilar da família, seja pelo afecto que distribuía, seja pelo respeito que instilava. Quando a minha avó morreu, foi ela que assumiu a responsabilidade de manter a família unida em torno de velhos hábitos, como o nosso jantar de fim de semana que, religiosamente, reunia dezenas de familiares. Caramba, como tenho saudades desses tempos…

Fazes-me falta, mãe. Mas viverás sempre dentro de nós. E nunca na vida deixarei de aproveitar uma oportunidade. Em tua homenagem e pelas oportunidades que não pudeste aproveitar.

Dedico este texto aos meus filhos. Espero estar à altura do legado que ela nos deixou a todos nós e que gostava muito de lhes passar.

Abraços desta quente Luanda…

Recomendações, Reflexões, Trends

A Liderança e a Mentira Auto Induzida

3133347219_4c16658dd5Surge este post da leitura de um artigo brilhante escrito pelo não menos brilhante Miguel Pina e Cunha no Jornal de Negócios, sob o título “Líderes infiltrados – na realidade das suas empresas“.

Neste artigo o Miguel foca algo a que eu chamo a Mentira Auto Induzida, e que mais não é do que o risco de dissonância cognitiva que os líderes sofrem sempre que se isolam e deixam de “andar no terreno”.

A verdade é que quando assumimos funções de liderança a nossa vida muda. Radicalmente e para sempre.

E uma das facetas dessa mudança é o aumento exponencial de solicitações de todo o tipo. Desde o número infindável de reuniões para as quais somos solicitados, para o número imenso de reports de todo o género que temos de produzir, mais as solicitações de colaboradores, superiores hierárquicos, pares, clientes, etc., há para todos os gostos: é só escolher 🙂

Perante esta parafernália de “comedores de tempo”, os líderes tendem a sentir que não têm tempo para fazer coisas aparentemente básicas, como por exemplo falar com as suas pessoas, pensar no desenvolvimento da sua equipa, manter-se a par das expectativas e aspirações dos membros da sua equipa, saber como o trabalho está a correr, apoiar e dar coaching aos colaboradores, etc.

Como há tanto que fazer, é fácil deixar estas coisas para “quando houver tempo”. Pois bem, comecemos pelas más notícias: nunca mais vai haver tempo! Por isso, é melhor ir decidindo começar a fazer estas coisas já! Não tudo de uma vez. Mas um pouco todos os dias.

Porquê? Porque se um líder não fizer isto com regularidade, torna-se a ele mesmo cego e surdo à realidade, por falta de contacto com a mesma.

Por muito que achemos que somos perspicazes e observadores, há sempre imensa coisa a passar-se à nossa volta, factos relevantes para a boa condução da equipa, que serão absolutamente invisíveis para nós, e que nos passarão completamente ao lado, comprometendo a qualidade das nossas decisões sobre a equipa.

Quando damos por nós, corremos o risco de ter uma ideia da equipa que é uma pura idealização, ou seja, não o que a equipa é mas sim aquilo que eu gostaria que fosse. Esta imagem artificialmente criada pelas minhas crenças sobre a equipa e não sobre factos (porque não tive tempo de me cruzar com os mesmos factos) tende a ser uma imagem que me deixa confortável, mas nem sempre corresponde à realidade.

Quando isso acontece, estamos perante uma Mentira Auto Induzida (ou seja, estamos a enganar-nos a nós próprios).

Isto não só prejudica a qualidade das nossas decisões, como mina a nossa autoridade informal, ou seja, o respeito e o compromisso dos nossos liderados, dos membros da nossa equipa, que passam a olhar para nós como alguém que “não está nem aí”, que está desligado da realidade. E quando isso acontece, é muito difícil recuperar a credibilidade…

Como combatemos isso? De duas formas:

  1. Colocando no topo das prioridades o “contacto com as tropas”, arranjando mesmo tempo para, periodicamente, estar com as pessoas da equipa e falar com elas, para lá do convencional “tudo bem?”;
  2. Criando um clima de positividade e abertura, em que as pessoas não tenham medo de nos pedir ajuda, de nos contar as dificuldades ou os problemas que enfrentam e mesmo os erros que cometeram. Se forem os colaboradores a tomar a iniciativa de vir falar connosco, poupam-nos imenso tempo e trabalho. E por isso é tão importante ter tempo para os ouvir…

Estas duas táticas devem ser aplicadas numa base quotidiana, inclusive para combater a Distância Auto Induzida, que é uma maleita que afeta tanta gente de tantas equipas. Esta maleita consiste na crença de que “não podemos dizer tudo o que queremos ao nosso chefe, pois ele pode zangar-se connosco e isso pode ser mau para nós“.

Diz-me a experiência que esta convicção é tão profunda na cultura portuguesa que já incorpora as verdades do senso comum, sendo um dos meus trabalhos diários contrariar esta falsa verdade apriorística que tanta gente tem. Mas isso só se faz dando um exemplo irrepreensível, que liberte as pessoas do medo e da incerteza.

Porque um tipo lá por se ter tornado chefe não deixou de ser o mesmo tipo, com as forças e fraquezas que tinha antes, com as virtudes e defeitos que sempre teve, com as chatices e preocupações da vida doméstica, com filhos, dores de barriga e outras coisas da vida normal. Um chefe não é um tipo que ascendeu a uma espécie de Olimpo dos Chefes, em que passou a ter carta branca para não trabalhar, calçar umas pantufas e fumar uns charutos.

Não, na maioria dos casos passou a ter mais trabalho, mais preocupações e menos tempo. Que só são compensadas quando o exercício da liderança é bem feito, e é sentido como uma vocação e uma missão.

Porque liderar é muito mais dar do que receber. É muito mais servir os outros e não ser servido pelos outros. Assim nunca nos esqueçamos disto…

Deixo-vos com um fantástico vídeo do Stanley McChrisystal, que numa TED Talk nos explica como se lidera ouvindo e ensinando… nas forças armadas!

Enjoy it 😉

Reflexões, Trends

Como (não) agatalhar a malta… ou a neurociência ao serviço da liderança!

5192ebea5f5a272753Surge este post de um tema que recorrentemente tenho tratado nas minhas aulas, e que tem sido objecto de contínuo interesse por parte dos executivos com quem tenho trabalhado: o efeito do medo e do stress no nosso potencial cerebral.

De facto, a forma como o nosso software mental funciona é um exemplo fascinante dos nossos mecanismos de autorregulação e do nosso potencial de melhoria em caso de boa gestão das emoções…

Costumo dizer nas minhas aulas que, na verdade, não temos um cérebro, nem dois cérebros… mas sim três cérebros. De facto, o nosso cérebro é constituído por 3 sistemas cerebrais, perfeitamente distintos entre si.

A um nível mais profundo temos o chamado sistema reptiliano, ou cérebro do instinto. É nesta área do cérebro que se encontram as respostas instintivas primárias. É um cérebro “rápido” na sua resposta, precisamente porque garante as nossas reacções primárias de sobrevivência. É nesta área do cérebro que temos guardada a “programação básica” que nos faz fugir se ouvirmos um carro a derrapar quando estamos a atravessar a estrada, por exemplo.

Outro dos sistemas cerebrais é o sistema límbico, ou cérebro da emoção. Se partilhamos o sistema reptiliano com os répteis, este é o sistema cerebral que partilhamos, em conjunto com o sistema anterior, com os mamíferos. Ou seja, qualquer cão ou gato que tenhamos lá em casa tem um cérebro que, grosso modo, equivale ao conjunto dos sistemas reptiliano e límbico. Este sistema é responsável pela nossa memória emocional e é precisamente nesta área que se encontra o início do processo fisiológico do stress.

Por fim, temos o neo-córtex, também conhecido como o cérebro racional. É aqui que se processam as chamadas funções cognitivas superiores, como por exemplo a nossa capacidade de planear, reflectir, o raciocínio lógico-matemático, a escrita, a leitura, a expressão artística, a criatividade.

Um dos aspectos mais interessantes do modo como o nosso cérebro funciona passa pelos seus mecanismos de auto-regulação, que se evidenciam, por exemplo, quando as pessoas referem que, sob stress, se sentiram bloqueados.

Investigação recente mostrou-nos que, quando nos encontramos em situações estimulantes e positivas, as pessoas usam fundamentalmente o neo-córtex e o sistema límbico. Pelo contrário, em situações de stress, em que o que predomina é o medo e a ansiedade, os indivíduos tendem a utilizar apenas os sistemas reptiliano e o límbico.

O que é que isto significa? Significa que, quando entramos em stress, ficamos tão inteligentes quanto um simples cão ou gato, se ele tivesse vivenciado o mesmo tipo de experiências, já que deixamos de ter acesso às zonas do cérebro que nos permitem utilizar a nossa inteligência racional!

Isto sucede porque, em caso de perigo percepcionado, sofremos uma descarga de uma substância chamada cortisol, que corta a comunicação neuronal entre o neo-córtex e o sistema reptiliano. Curiosamente, aquilo que explica porque é que em situação de stress temos o nosso potencial cerebral limitado, é aquilo que ilustra como o mesmo funciona de forma tão perfeita, mesmo nos seus sistemas de auto-regulação.

Na verdade, este mecanismo de regulação bioquímica do cérebro tem por objectivo “libertar” o sistema reptiliano para, em caso de perigo, reagir de forma rápida e eficiente, sem estar a ser “empatado” pelo neo-córtex que, por processar operações complexas, é lento.

Este é um mecanismo muito útil para quando corremos perigo de vida, mas, no mundo complexo em que hoje vivemos, o mecanismo do stress não é só despoletado por situações de perigo físico, mas muitas vezes por situações de perigo percebido, relativo à defesa do estatuto, do prestígio, da carreira profissional, entre outras áreas de valorização individual. Ou seja, quando gritamos com um colaborador, estamos a potenciar este mecanismo…

E a isto eu chamo “agatalhar” o próximo, ou seja, reduzir o nosso interlocutor ao potencial cerebral de um simples gato, por via do medo e do stress que lhe gerámos!

Compreendendo isto, fica claro que, em situações de crise, de nada serve gritar com a equipa ou colocar pressão negativa, uma vez que a única coisa que conseguimos é deitar para fora o nosso próprio stress, a nossa agressividade latente, as nossas frustrações, mas a um preço elevado: “animalizámos” a nossa equipa e apenas conseguimos resultados medíocres obtidos mais rapidamente.

Os líderes de equipa mais experientes sabem que a melhor forma de gerir as suas pessoas, mesmo em momentos de crise, passa por tranquilizar o grupo, encorajá-lo a fazer melhor, demonstrar confiança na capacidade das pessoas e, se necessário, mostrar como se faz e participar nas actividades mais críticas.

Mas para tal é preciso disciplina, pois a tentação é grande…

Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca “agatalhou” alguém 🙂

Deixo-vos com um excelente vídeo do Chris Balsley, em que explica, em 4 brilhantes minutos, o funcionamento do nosso cérebro. Enjoy it!

Reflexões, Trends

O Valor das Pessoas

Surge este post devido a um estudo muito interessante que surgiu no passado mês de Julho, feito pelo Boston Consulting Group, intitulado From Capability to Profitability: Realizing the Value of People Management.

A BCG, em parceria com a World Federation of People Management Association (WFPMA), entrevistou 4.288 executivos em 102 países sobre a capacidade das suas empresas sobre 22 áreas diferentes de actuação dos recursos humanos. Os entrevistados também foram convidados a prestar informações sobre o seu crescimento de receita e margem de lucro e respectiva evolução em relação aos anos anteriores.

Os resultados encontrados foram extremamente elucidativos: encontraram uma correlação positiva entre a capacidade ao nível dos RH e o desempenho empresarial em 21 das 22 áreas estudadas! Isto significa que as empresas que relataram uma “muito alta” capacidade nessas áreas obtiveram um crescimento de receita significativamente maior e margens de lucro mais elevadas do que as empresas que relataram uma capacidade “baixa” nessas mesmas áreas.

Uma das conclusões que podemos tirar de uma correlação tão bem distribuída pelos diversos factores estudados é que as empresas com práticas de gestão de pessoas mais integradas e coerentes acabam por revelar-se os maiores beneficiários da criação de valor através do capital humano, ou seja, a coerência e genuinidade acabam por compensar. Sobre este tópico, já tinha escrito no meu post Genuinidade Empresarial 😉

Dos 22 aspectos analisados, alguns destacaram-se pela positiva:

 Gestão de Talentos

Empresas capazes de recrutar, contratar e integrar novos talentos de forma eficaz e profissional, experimentam um crescimento da receita 3,5 vezes superior ao das empresas que relataram ser menos capazes nesta área. Conclusão: há que diversificar a base de talentos das organizações e atrair talentos de nível world class. Sobre este tópico já tinha dado nota no meu post sobre Talento nos Mercados Emergentes

Desenvolvimento da Liderança

Empresas fortes no desenvolvimento de lideranças eficazes e apostadas no desenvolvimento das pessoas conseguem  um crescimento da receita superior em 2,1 vezes! Conclusão: há que desenvolver objectivos de liderança robustos, actividades de desenvolvimento de talentos com envolvimento dos líderes de equipas, e promover a gestão com base no desenvolvimento de competências das suas pessoas. A isto chama-se ser um multiplier leader, como referi no meu post sobre Talento Residente 😉

Gestão de Desempenho e Recompensas

Empresas capazes na gestão do desempenho tendem a ter duas vezes a margem de lucro média de empresas que relataram ser menos capazes nesta área… Conclusão: há que ter orientações claras sobre o que é ou não valorizado pela empresa, e as recompensas respectivas para o desempenho exemplar, que é o melhor preditor de sucesso do empregado. Sobre este tema podem consultar o meu post sobre Meritocracia 🙂

Recomendo vivamente a leitura integral, bem como este vídeo do prf. Jeffrey Pfeffer sobre a gestão do talento. Enjoy it!  😉

 

Reflexões, Trends

Engagement Marketing (ou como tratar os colaboradores como clientes)

Surge este post da leitura de um excelente post do Harvard Business Review Blog  intitulado “Engage employees using customer service tactics“, da autoria de Rob Markey.

Neste artigo, este reputado Partner da Bain & Company  advoga um princípio que defendo há vários anos: o de que devemos olhar para os colaboradores de qualquer equipa ou organização como olhamos para os nossos clientes.

Na verdade, quando uma organização pensa numa determinada estratégia, numa determinada proposta de valor para o mercado, depara-se com uma questão básica na altura de a concretizar: que pessoas é que preciso de ter na organização para entregar aos meus clientes aquilo a que me proponho?

É nessa altura que, pela primeira vez, os gestores percebem que têm de ter igualmente uma proposta de valor para o mercado de trabalho – aquilo a que chamamos Employer Value Proposition.

O EVP consiste precisamente naquilo que oferecemos em troca do conhecimento aplicado, do esforço, da performance que os colaboradores irão disponibilizar/entregar para que a nossa organização possa produzir e prosperar.

Assim, importa construir esse EVP de forma a atrair e reter o tipo de pessoas que mais fazem falta a cada organização. Tal implica ter presente que as organizações precisam de pessoas diferentes conforme o negócio e a cultura, e pessoas diferentes são atraídas por atributos diferentes.

Por exemplo, o EVP de uma grande Fundação dedicada à ciência e à cultura passará por coisas como: estabilidade de emprego, bom ambiente de trabalho, bons benefícios sociais, bom work-life balance, prestígio e acesso aos bens culturais e científicos produzidos pela instituição.

Já uma grande consultora internacional tem um EVP completamente diferente: uma experiência intensa de trabalho e aprendizagem, com forte exposição a executivos séniores, com acesso a repositórios de conteúdos e uma network de profissionais de qualidade mundial, bem como uma carreira rápida e bem remunerada, cm oportunidades de passagem para posições de gestão em organizações com quem a consultora trabalhe.

Estes atributos satisfazem necessidades diferentes, porque as tipologias de profissionais-alvo são também elas diferentes (não melhores nem piores, apenas diferentes).

Isto permite obter elevados níveis de compromisso, que, segundo um recente estudo da Aon Hewitt, tem relação directa com os resultados de negócio das organizações: as empresas com colaboradores mais “comprometidos” estão no top do ranking da valorização bolsista!

As más notícias são que, segundo um recente estudo da Gallup, que mais de 70% dos colaboradores estão tipicamente “descomprometidos”, ou seja, com níveis de compromisso baixos ou nulos!

Ou, se quisermos ver isto na óptica do copo meio-cheio, vejam as oportunidades de melhoria que temos pela frente se trabalharmos o engagement 😉

Mas voltemos ao post do Rob Markey: a tese dele vai mais longe, e diz que devemos acabar com a forma tradicional como se trabalha o compromisso nas organizações, para saltarmos para outro patamar evolutivo.

Tipicamente, nas organizações a gestão do compromisso é da responsabilidade de uma Direcção de RH ou similar, que conduz um survey anual de satisfação e que promove depois um conjunto de planos de acção para colmatar os pontos do inquérito que revelem problemas ou debilidades. Em bom rigor, isto é a forma que as empresas tendem a relacionar-se também com os seus clientes (sendo que da DRH saltamos para a Direcção de Marketing).

Esta abordagem tem um problema: tem um time-to-market inaceitável nos tempos que correm! A realidade é tão dinâmica que não se compadece com inquéritos anuais e medidas tomadas por um qualquer departamento central que nunca viu os seus clientes!

E por isso empresas como a Zappos  e a Apple operaram recentemente uma verdadeira revolução na forma como lidam com os seus clientes:

  • A interacção com os clientes, o seu conhecimento e satisfação passou a ser a prioridade de todos os colaboradores;
  • Os clientes são sempre questionados sobre a sua satisfação!

Como é que tal foi conseguido: com surveys simples, focados e de resposta rápida (atenção permanente ao cliente), com poder de acção delegado nos gestores de linha e líderes de equipa (descentralização e empowerment) e com processos simples de resolução de problemas “na-hora” e com modelos de aprendizagem colectiva com os erros (learning & solving teams).

E o que Rob Markey defende é que o mesmo princípio pode ser aplicado à gestão das pessoas: surveys a ciclo curto, focado em poucos itens (mas relevantes), para os quais os líderes operacionais tenham poder de acção para resolver as necessidades das suas pessoas, num processo que promova a aprendizagem e melhoria contínuas.

E a isto chamamos Engagement Marketing  😉

Tenho a sorte de, neste preciso momento, estar a implementar um projecto com estes contornos numa das maiores instituições públicas deste país… e os resultados prometem 🙂

Deixo-vos com um vídeo de Bob Kelleher sobre engagement, que é uma verdadeira peça de reflexão…

Enjoy it! 😉

Recomendações, Reflexões, Trends

MBCA – Managing By Connecting Abroad

Surge este post da leitura (e subsequente reflexão) provocada por um recente artigo do INSEAD intitulado “Leadership: Are you connecting and collaborating?“. Neste excelente artigo, é referenciada a mais recente investigação feita pela Professora Herminia Ibarra, do INSEAD, em que se constata como a competitividade está hoje em dia dependente da nossa capacidade, enquanto gestores e líderes, de perceber como é que a geração de ideias se promove nas organizações, identificando de onde podem vir as ideias e, já agora, de quem podem surgir as contribuições.

Um dos key findings da sua investigação passa pelo conceito de externalização da inovação, que acaba por ser uma extensão do conceito de inovação colaborativa, que já aqui apresentei há algum tempo atrás.

Sendo já sobejamente conhecida a táctica MBWA de liderança (Managing By Walking Around), que corporiza a necessidade premente de se fazer uma liderança de proximidade, na linha da frente, para se conhecer as equipas, para fomentar a comunicação interna, para encorajar a circulação de ideias e de conhecimento, de forma a garantir o aproveitamento do potencial interno de inovação, a verdade é que tal, sendo indispensável, já não é suficiente.

Na verdade, a pressão competitiva leva a que as organizações tenham de olhar para fora, para aquilo que as rodeia, e que sejam capazes de questionar outros actores do contexto económico, empresarial e social para que possam gerar inovações percebidas como altamente relevantes pelos consumidores.

Assim surge o conceito de MBCA – Managing By Connecting Abroad, denominado por Herminia Ibarra como “Liderança Colaborativa“, que é, nas palavras da autora “the kind of leadership that allows organisations to identify interesting opportunities, to bring the best talents to those opportunities and then to lead the process so it reaches an effective result.”

Este conceito reforça a ideia de que a criação de valor não pode hoje em dia ser feita em circuito fechado, mas sim encarando as empresas como sistemas abertos. Na realidade as empresas comunicam com o exterior, e , num mundo cada vez mais digital e social, em que todos se ligam em rede, estão em grande parte dependentes da iniciativa dos seus colaboradores em “pensarem colectivamente a proposta de valor“, o que só se consegue com um grupo de pessoas que possuam elevados níveis de engagement.

Por isso a liderança colaborativa deve assentar em 4 pilares, a saber:

  1. Play Global Connector – o líder tem de assumir uma mudança estrutural de convicções sobre o papel do networking, assumindo ele próprio o papel de “conector profissional“, ligando-se em rede e permitindo que os colaboradores o possam fazer livremente (assumindo a necessária responsabilização pelos rácios de produtividade a manter). Esta é a dimensão da liberdade
  2. Engage talent at the periphery – uma das vantagens de estarmos globalmente ligados consiste na fantástica possibilidade de podermos pedir o contributo de gente muito diferente, oriunda dos mais variados países. Essa riqueza de perspectivas e visões do mundo potencia o aproveitamento de boas ideias sobre a melhor forma de criar valor. Esta é a dimensão da diversidade;
  3. Collaborate at the top first – a colaboração implica cedênias mútuas e entrega, o que requer confiança. Tal só é possível se o exemplo vier de cima. Assim, não pode haver liderança colaborativa sem que o exemplo da colaboração venha do board (e sem politiquices, por favor!). Esta é a dimensão da integração;
  4. Show a strong hand – por fim, a liderança colaborativa não se confunde com a gestão democrática ou por consenso. Liderar colaborativamente implica encorajar os contributos de todos e procurar aproveitá-los ao máximo, mas as decisões são, obviamente, tomadas pelo líder. Esta é a dimensão da implementação.

Deixo-vos ainda um interessante vídeo de Hermini Ibarra sobre os efeitos da liderança. Enjoy it! 😉

Reflexões, Trends

Liderança Moral: o oxigénio do talento

Surge este novo post de uma leitura muito interessante e refrescante, da autoria de Paul Lawrence, intitulada “Moral Leadership as Shaped by Human Evolution“, e que foi publicada no excelente site de blogs da Harvard Business Review.

Neste texto, Paul Lawrence compara a liderança actual com a evolução humana, que fez com que a nossa espécie evoluísse para lá dos guidelines básicos de sobrevivência (obtenção de recursos e defesa dos mesmos), adoptando dois drives essenciais para o progresso:

  1. Fundar a cooperação na confiança em outras pessoas, estabelecendo relações de longo-prazo;
  2. Compreender e moldar o meio envolvente, através dos actos de aprender e criar.

Em todo o nosso mundo, só o nosso complexo cérebro consegue desenvolver estas duas valências, que nos elevam a um patamar civilizacional certamente superior.

O estudo da prática de líderes bem sucedidos tem assim comprovado que as suas decisões, as suas condutas e a sua prestação em geral assentam nestes 4 eixos de actuação, de forma equilibrada e consistente:

  1. Obter riqueza
  2. Defender a integridade dos seus
  3. Cooperar com base na confiança
  4. Aprender e criar com os outros

A aplicação destes 4 princípios à liderança baseia-se na chamada Golden Rule, também chamada de regra de reciprocidade: na prática, não esquecermos de tratar os outros como gostaríamos que nos tratassem a nós (tendo em conta que os seres humanos tendem a retribuir os comportamentos a que foram sujeitos).

Desta forma, Paul Lawrence sistematiza 7 regras de ouro da liderança moral:

  1. Cumprir intransigentemente com o prometido, não falhando com a palavra dada;
  2. Procurar negócios e acordos justos (win-win), em vez de ganhar a qualquer preço;
  3. Dizer a verdade, em qualquer circunstância;
  4. Partilhar conhecimento, em vez de o coleccionar só para nós;
  5. Respeitar as crenças e convicções dos outros, mesmo quando discordamos;
  6. Ajudar a proteger (também) os interesse dos outros;
  7. Denunciar e punir os mentirosos/desonestos.

Parece simples, não é? Mas quem pratica estas 7 regras de facto, enquanto líder?

Seremos ainda poucos concerteza, por via dos preconceitos educacionais (cf. meu artigo “A Pesada Herança de Roma“), ou por via do preconceito neo-marxista nas relações de trabalho (cf. meu post “Marx e o Talento“).

Diz-me todavia a experiência que a prática desta disciplina de liderança moral gera resultados exponencialmente melhores, pois tende a gerar nos colaboradores níveis de commitment elevados e níveis de qualidade superiores. Paul Lawrence afirma inclusive (e eu concordo plenamente!) que o segredo está em desenvolver esta prática a 360º, ou seja, abrangendo todos os stakeholders!

Na prática, a liderança moral a 360º gera um ciclo virtuoso global e sustentável, que potencia uma fórmula de sucesso capaz de ajudar a gerir as organizações nestes tempos de crise (cf. meu artigo “Gerir em Tempos de Crise“).

Deixo-vos ainda um interessante vídeo sobre “followership”, peça indispensável de um bom exercício de liderança  (cf. meu post sobre “seguidança“):

Reflexões

Management Fashion: que Steve Jobs nos inspire…

manag_fashionSurge este post de uma pequena provocação do meu amigo David Veloso, que me mandou um brilhante post por ele escrito no seu blog Notas e Pensamentos, cujo título é “O custo da inoperância“.

Este é um post extremamente bem escrito, que nos cai em cima como um balde de água fria. Fria de realidade, por mais agreste que a mesma pareça.

E por vezes necessitamos desse “choque térmico intelectual”, para não nos esquecermos do longo caminho que ainda há a percorrer.

Procuro passar neste blog uma mensagem pedagógica e de esperança. Todavia, a verdade é que muito do que defendo ainda está por acontecer nas organizações portuguesas  (e não só…).

O David começa por enumerar o clássico problema das “agendas individuais”, que minam muitas vezes a necesária genuinidade empresarial. Tal acontece, na minha opinião, porque a maioria das nossas organizações ainda não percebeu a verdadeira importância de trabalhar com as pessoas e não contra elas – cf. meu post Marx e o talento -, o que em parte deriva de ainda trabalharmos num verdadeiro paradigma de poder e não de colaboração – cf. meu artigo A Pesada Herança de Roma.

Enquanto os nossos líderes (e também os nossos liderados) insistirem em ver o mundo pelos óculos da Revolução Industrial, dificilmente poderemos ambicionar a um estádio mais avançado das organizações, em que a meritocracia prospere e a comunicação seja feita com transparência, sem o recurso (imoral) a consultores para fazerem o trabalho menos simpático.

Este é aliás um tema que me passou a ser particularmente caro, seja pelos 3 anos que passei no Comité Executivo de uma multinacional de consultoria, seja pelo facto de hoje ser Partner de uma consultora. E, de facto, há vários usos possíveis (virtuosos e menos virtuosos) para os consultores:

  • o primeiro, tal como o próprio nome indica – consultor – diz-nos que ele serve para ser consultado 🙂 ! Isto significa colocar o seu conhecimento ao serviço de uma determinada organização, para resolver um determinado tipo de problema. Esse conhecimento ou é sectorialconhecimento de um negócio, mercado ou sector de actividade -, ou é funcionalconhecimento de um determinado processo, metodologia ou framework de trabalho. Todavia, seja num caso ou noutro, deve ser posto ao serviço da criação de valor;
  • o segundo, passa pelo uso não virtuoso dos consultores, que servirão para procrastinar uma decisão (adiando-a até à apresentação de um estudo infindável e inconclusivo que serve para acabar de vez com o processo de tomada de decisão), ou para a justificar internamente (no caso de decisões difíceis e impopulares, em que os consultores fazem de “bode expiatório” para o qual o odioso do tema é transferido).

Naturalmente que defendo intransigentemente o primeiro uso, e repudio de forma igualmente intransigente o segundo uso. Repudiei-o enquanto executivo, ao contratar serviços de consultoria, e repudio-o igualmente enquanto empresário, recusando-me a vender serviços para esse fim.

A consultoria é uma actividade nobre, pilar da actual economia do conhecimento, e deve, em particular no nosso país, ser dignificada e colocada no lugar de prestígio que merece!

… mas claro que isso só se consegue através do exemplo que todos os consultores terão (e deverão) dar, todos os dias, através de uma prática profissional exigente (e eticamente intransigente)!

Sim, porque isso da ética não é apenas uma buzzword dos tempos que correm, mas um imperativo incontornável dos negócios modernos – cf. o meu post Da ética das empresas.

Assim, como diz o David e muito bem, deveriam as empresas ligar menos às modas da gestão – um verdadeiro fenómeno de management fashion -, de forma a deslumbrar-nos menos com discursos vazios mas elegantes, assumindo uma postura mais espartana, de verdadeira gestão pelo rigor e pelo respeito, em que a ética da implementação prevaleça sobre a mera gestão de expectativas, da qual o exemplo mais gritante é a perspectiva redutora de que gerir o talento é apenas gerir sucessões: quem conheça pessoas verdadeiramente talentosas sabe que não é assim – cf. meu post O Paradoxo de Ícaro -… e sabe dos riscos de termos nas nossas organizações um imenso potencial por explorar

Ao David o nosso muito obrigado por mais este banho de reflexão: não poderíamos estar mais de acordo! Todavia termino com uma mensagem de esperança: o caminho é para a frente e o progresso (virtuoso) é inevitável numa economia de mercado livre, como Steve Jobs tão bem nos ensina com a sua lição de vida, demonstrando que se pode criar valor com a ética de implementação de que vos falava (o que não impede a Apple de ser uma empresa sexy 😉 !)

Reflexões

Gerir num mundo pós-racional

humanNão resisti a partilhar convosco um artigo de Harvard, que surge a título de começo de conversa, chamado “Are You Ready to Manage in an Irrational World?”. Esta bela peça de comunicação alerta-nos para os resultados dos mais recentes estudos sobre a irracionalidade do comportamento humano e, logo, do comportamento dos mercados.

Estes estudos têm vindo a questionar a abordagem clássica da gestão e da economia nos tempos de incerteza que vivemos, colocando de forma contundente a tónica na pertinência daquilo que hoje fazemos como gestores ou ensinamos como professores.

Confesso que recebi com alegria estas perplexidades, uma vez que elas vêm ao encontro do que tendo praticado e ensinado ao longo dos anos.

Significa isto que eu acho que as pessoas decidem irracionalmente? Não. Significa que eu acho que as pessoas decidem de forma por vezes imprevisível, devido à sua singularidade e ao modelo tendencialmente perfeito com que tomam decisões. E essa perfeição tendencial reside no segredo mais bem guardado de sempre: a sua intrínseca imperfeição!

Confusos? Espero que sim 😉 . Agora que despertei a vossa atenção, passo a explicar…

Como funciona o cérebro humano? De uma forma notável. Porquê? Porque consegue aprender e tomar decisões com base em informação incompleta. De que forma? Muito simples: todos nós apreendemos a realidade através dos cinco sentidos, e essa realidade é enviada para o nosso cérebro com uma “codificação” específica, que determina o grau de importância da informação e a sua natureza positiva ou negativa.

Como é feita essa codificação? Através das emoções: se a informação ligada a uma determinada experiência ou vivência estiver associada a uma emoção pouco intensa, a mesma tenderá a ser classificada como pouco importante, não prevalecendo na nossa memória de forma efectiva. Se porventura estiver associada a uma emoção forte, a informação é alvo daquilo a que António Damásio chama um “marcador somático“, ou seja, uma categorização feita através da descarga química no nosso corpo de adrenalina (se a emoção for negativa) ou de endorfinas (se a emoção for positiva). Assim, a classificação da informação é feita ao nível da relevância (é ou não para reutilizar mais tarde) e ao nível da conotação prática com o sucesso e a capacidade de adaptação (é uma experiência a repetir ou a evitar, em condições semelhantes?).

Esta forma de processarmos a informação é o que nos permite aprender com a experiência  e tomar tendencialmente melhores decisões (com base no histórico registado).

E é por isto que é algo tão singular, único e irrepetível como as nossas impressões digitais: porque a nossa história de vida é uma sucessão de factos e de emoções que só aconteceu connosco, levando-nos a acumular e catalogar a informação de uma forma única e irrepetível, criando uma matriz decisional que é só nossa! Assim, aquilo a que chamam irracionalidade, não o é: é sim a incerteza resultante da imprevisibilidade!

Isto tornaria a gestão um caos impossível não fora o carácter universal da vertente económica do processo de tomada de decisão (o que vimos até agora é aquilo que eu chamo a vertente psicológica, somatório de razão e emoção). O que é a vertente económica do processo de tomada de decisão? Simples: é o facto (universal e invariável) de todos nós tomarmos decisões em função do balanço de ganhos e perdas potenciais que prevemos face à situação que percepcionamos e o histórico de informação relevante que podemos activar no nosso cérebro.

E, invariavelmente, todos optamos pela alternativa que achamos que maximiza os ganhos e minimiza as perdas!

Logo, todos tomamos as melhores decisões para nós, sendo que aquilo que varia é aquilo que cada um de nós valoriza e considera um ganho no seu caso em concreto.

Por isso a gestão das pessoas e do talento não é uma ciência exacta. Por isso os mais recentes estudos sobre a gestão apontam para um exercício da liderança menos declarativo e mais socrático (do velho Sócrates, claro ;-)!), em que o focus está nas pessoas e no conhecimento que podemos ter delas, de forma a proporcionarmos às mesmas um conjunto de opções que lhes permita tirar delas o melhor que têm a dar.

Não esquecendo nunca que fazemos essas opções todos os dias, relativamente às mais variadas dimensões…

Quer isto dizer que tomamos sempre boas decisões? Não, pois a informação de que dispomos varia e a realidade muda sempre, mas a capacidade que temos de regenerar os nossos juízos e de evoluir é algo único no mundo, fazendo com que a imperfeição do nosso modo de pensar, agir e decidir acabe por ser o “motor” que nos leva a buscar (incessantemente) a perfeição.

Fascinante, não acham? Abençoados tempos agitados, que nos fazem singrar num mundo pós-racional, repleto de desafios e descobertas 😉

A todos fica lançado o desafio de gerir cada vez melhor, aprendendo com os erros e ambicionando sempre mais…

… do que estamos à espera?!

Votos de boa reflexão 😉 !