Reflexões, Trends

Um resistente é um amigo

Todos resistimos à mudança… porque somos inteligentes

Comecei a escrever este post no primeiro Dia do Pai em que não tenho o meu pai comigo. Esta é uma das muitas mudanças que tenho vivido nos últimos anos, mas é a única que, não querendo que acontecesse, sei que não vale a pena resistir-lhe.

A resistência à mudança é muito mal amada nos dias que correm, especialmente nas organizações, que têm de lidar com a mesma todos os dias a uma velocidade alucinante. Quem faz perguntas difíceis ou quem contesta o caminho é chamado de “resistente” e esse rótulo tem muito frequentemente uma conotação negativa. Esta conotação, costumo eu dizer, é produto de um raciocínio de gestão profundamente preguiçoso…

E isto porquê? Porque resistir à mudança no sentido de questionar o porquê da mudança e no sentido de discutir porque vamos numa direção e não noutra é tipicamente um ato de inteligência humana. Todos os seres humanos, enquanto seres inteligentes seguem um racional económico na hora de fazer opções, ou seja, fazem uma análise comparativa das diversas opções ou alternativas que têm e fazem sempre um balanço entre os potenciais ganhos e as potenciais perdas, tendendo a escolher a opção que maximiza os ganhos e minimiza as perdas.

Todos fazemos isto porque somos inteligentes. E perante uma mudança, é natural que nos questionemos “mudar porquê?” ou “vale a pena mudar?”. Fazer perguntas difíceis é um privilégio dos mais experientes e mais sábios. Se tivermos vinte e poucos anos, acabadinhos de sair da universidade e a entrar no mercado de trabalho, é natural que abracemos qualquer mudança com entusiasmo e menos questões, uma vez que não temos “história para trás”, ou seja, experiência prévia. Só quando vivemos as peripécias da dura realidade do mundo do trabalho é que começamos a ganhar espírito crítico aplicado às vicissitudes organizacionais.

E por isso ter experiência profissional desde cedo é um ativo muito valioso para qualquer jovem. A minha enteada, que começou a trabalhar no segundo ano da universidade, tem um espírito crítico e uma capacidade de questionar o que lhe apresentam que fazem dela um ser humano mais observador, acutilante e profissionalmente versátil. Ao pé dela, os seus colegas de curso que não trabalham são um grupo de jovens embaraçosamente “atados”, embora intelectualmente dotados. Porque o pensamento crítico, a capacidade de resolução de problemas e a resiliência são fruto de uma maturidade que só vem com a experiência.

Bem, após este longo parêntesis para elogiar a minha enteada, voltemos ao cerne da questão: quando ouvimos dizer que os mais velhos são resistentes à mudança e a isso associamos uma conotação negativa, a verdade é que estamos perante um viés cognitivo, uma vez que associamos o grau de resistência à idade (o que não é verdade, pois na melhor das hipóteses um maior nível de exigência no questionamento da mudança pode estar associado à experiência), e também porque associamos a ideia do resistente a alguém que “não colabora”. E a verdade é que questionar não é um ato de sabotagem, mas sim uma manifestação de interesse!

Quem resiste interessa-se

Costumo fazer a analogia com aquilo que ensino a tantas equipas comerciais: um cliente que reclama é um amigo! E porquê? Porque alguém que se dá ao trabalho de reclamar é alguém que está interessado em que melhoremos. É alguém que não desistiu de nós, ou que, à beira de desistir, lança um pedido de ajuda (a reclamação), de forma a que lhe demos uma razão para não desistir de nós. É alguém que nos dá feedback sobre o que está mal e se interessa o suficiente para estar incomodado por não fazermos melhor. E isto é uma das muitas coisas que os amigos fazem por nós…

Logo, um colaborador que questiona a mudança, que reclama porque não entende os seus benefícios, também é um amigo. Um colaborador que questiona e discute o porquê da mudança é alguém que se preocupa com a organização, que se interessa, que fica incomodado se sentir que a organização pode não estar a ir por bom caminho ou está apenas a desperdiçar tempo e energia para ficar tudo na mesma. O resistente interessa-se, logo não é um alvo a abater, um incómodo ou um estorvo.

Um resistente é, por definição, um “grilo falante” da mudança e um potencial “campeão” dessa mesma mudança. Sim, ele não compra a mudança barata, mas quando a compra, é um dos mais entusiásticos agentes da mudança. E quantas vezes eu vi isto acontecer nos últimos 35 anos da minha vida profissional…

Tudo começa com a compreensão do porquê da mudança. Explicar porque a mudança acontece e o que ganhamos com isso, de forma transparente e verdadeira, não omitindo o que possam ser as dificuldades que enfrentaremos quando a mudança começar a acontecer são o primeiro passo para transformar um resistente num campeão da mudança. Costumo dizer que um resistente é um interessado com pouca informação. Quando entende o porquê das coisas, e se elas fizerem de facto sentido, tende a tornar-se num entusiasta.

A primeira ferramenta para facilitar a mudança

Comunicar é pois a palavra chave, o que implica aquilo a que eu chamo a tríade sagrada da comunicação da mudança: os três F!!! E o que são estes três F? Passo a explicar:

  • Formação – quando falamos em explicar o porquê da mudança, não podemos ficar-nos por informar. Passar a informação é importante, mas não é suficiente. Os colaboradores são quem vai fazer a mudança acontecer, o que significa que eles têm de ter as capacidades necessárias para efetuar a mudança. Portanto falamos de informar mas também de capacitar. Por isso é mais claro e abrangente falarmos de formar, o primeiro F desta tríade sagrada;
  • Feedback – a mudança acontece num contínuo temporal, o que significa que não basta explicar mudança no início. Mudar implica esforço e mudança de hábitos, o que requer que alimentemos a motivação e o incentivo para as pessoas se manterem no caminho da mudança. Por isso mesmo, dar feedback sobre como está a mudança a acontecer, quais os progressos, quais as dificuldades e contratempos é uma forma de manter os colaboradores envolvidos. Por isso o segundo F desta tríade;
  • Festa – a vontade de cada um de nós manter o esforço que a mudança implica tende a ser reforçada quando celebramos as pequenas conquistas, os progressos diários mas também os grandes ganhos. Celebrar o que conseguimos com a mudança é algo que deve ser sempre feito, e nunca de forma envergonhada. Os ganhos da mudança devem ser motivo de orgulho, e por isso mesmo, de festa. O terceiro F da tríade sagrada…

Quando alimentamos o conhecimento dos colaboradores através do triplo F, estamos a dar-lhes algo que em Psicologia chamamos de “sense of Progress” (soP). O sentido de progresso é uma das necessidades primordiais de qualquer ser humano. Todos nós precisamos de sentir que estamos a ir para algum lado significativo e que estamos a evoluir, pelo que alimentar este sentido de progresso é uma das formas de alimentar a energia vital de nos motiva a agir e que nos entusiasma.

Nem só de resistentes e campeões é feita a mudança

Começámos por falar dos resistentes e da sua jornada de transformação para se tornarem em campeões da mudança. Um resistente, como vimos, não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade. Mas o verdadeiro problema não reside nos que se interessam: reside, isso sim, nos que não se interessam.

Os colaboradores que não estão comprometidos com a organização, a quem é indiferente se a organização prospera ou não, esses são o verdadeiro problema. São aqueles com vínculos fracos, ou mesmo com o contrato psicológico comprometido: aqueles a quem eu chamo os MINSD (os que andam a fazer o Mínimo Indispensável para Não Serem Despedidos). Para mais detalhes sobre o que é um estado MINSD sugiro de um post meu de há uns anos: PPE: Potencial Por Explorar ou como evitar o “efeito MINSD”.

Quantos temos colaboradores desinteressados, eles podem classificar-se em duas categorias:

  • Desligados – aqueles que não se interessam e têm pouco conhecimento sobre a mudança. Não se interessam, não se envolvem e passam a vida a dizer mal da mudança e de quem a protagoniza, invocando aquilo a que eu chamo o síndroma do “not invented here…”, que se pode detetar quando ouvimos comentários deste género: “vieram para aqui estes tipos de fato e gravata da consultora X, fizeram um powerpoint todo bonito e agora propuseram este bacalhau com asas sem falar com quem trabalha com isto todos os dias… um desperdício de dinheiro, é o que é!!!”. E a dura verdade é que em muitos casos o comentário tem a sua razão de ser… e pode ser a explicação para a falta de interesse de alguns colaboradores;
  • Seguidores – aqueles que não se interessam e já têm conhecimento sobre a mudança são aqueles que não aderem à mudança e limitam-se a serem seguidores passivos. Quanto maior o seu conhecimento mais opinam, mas pouco se empenham em fazer a mudança acontecer, porque não a sentem sua. Também eles vítimas do “s.N.I.H” (síndroma do “not invented here…”), tenderão ser os chamados “treinadores de bancada” que alimentam os circuitos informais da organização (comummente conhecidos como “radio-alcatifa”) com uma narrativa de desencorajamento da mudança.

Tendo identificados os quatro posicionamentos possíveis face à mudança, resta perceber como trazemos os desinteressados para o processo, fazendo deles entusiastas…

Ninguém se interessa se não for chamado a participar…

Costumo explicar nas minhas aulas que os seres humanos tendem a não rejeitar o que, no todo ou em parte, foi por si produzido. A verdade é que todos desenvolvemos laços afetivos com as nossas produções, as nossas criações. A isto chamo eu o P.P.P. – Princípio da Paternidade da Produção, que explica porque é que uma gestão participativa leva tendencialmente a um nível de engagement superior dos colaboradores.

Quando pedimos o contributo dos membros das nossas equipas sobre como pode ser desenhada a mudança, ou então sobre como podemos implementar a mudança, estamos a dar na possibilidade de cada um poder participar no processo, dando a sua “pincelada” na mudança. E mesmo que não possamos adotar todas as sugestões da equipa, a verdade é que o facto de terem tido o espaço para serem ouvidos os levou a apropriarem-se do processo. A mudança passou a ser um pedacinho deles, em vez de ser a “mudança daqueles tipos”. E por isso podemos dizer que a adesão implica participação.

Só com a participação conseguimos alimentar mais uma vez duas necessidades primordiais da natureza humana: relevância e visibilidade. Todos os seres humanos precisam de sentir que de alguma forma fazem a diferença e que por isso são apreciados pelos outros (porque todos somos seres sociais). E com isto envolvemo-nos e entusiasmamo-nos: ou seja, ficamos verdadeiramente comprometidos.

Quando fazemos isto alimentamos aquilo que em Psicologia chamamos o “sense of Control” (soC), ou seja o sentido de controlo dos acontecimentos, porque sentimos que de algum modo os influenciamos, fazendo aquilo que está ao nosso alcance para fazer a diferença.

E com estas duas ferramentas (comunicação com triplo F e gestão participativa) ficamos com a nossa mochila apetrechada das ferramentas necessárias para lidar com a mudança. Não desdenhemos os resistentes, porque eles são nossos amigos e podemos fazer deles campeões. Não tenhamos vergonha de resistir à mudança (é normal, é sinal de inteligência e é sinal de que queremos participar). Transformemos esse questionamento em informação e procuremos fazer a diferença com o nosso contributo.

Sugiro, em complemento a este post, um artigo por mim escrito há uns anos na revista Prémio – Gestão da Mudança, bem como um artigo muito interessante da Harvard Business Review – Change Is Hard. Here’s How to Make It Less Painful.

Termino este texto quando faz exatamente seis meses que o meu pai me deixou. Curiosamente, ele não está cá mas continua sempre comigo. Eis uma mudança a que ele resiste, e que eu agradeço todos os dias. És um resistente, meu pai. E seguramente o meu melhor amigo. Sempre.

Reflexões, Trends

Imperfeição: um super-poder negligenciado

Imperfection-creative-focus-by-Crafting-ConnectionsVolto a escrever no meu blog com a renovada alegria de quem decidiu que tem de ter tempo para fazer as coisas que gosta e não apenas as coisas que os outros gostariam que fizesse.

Faço-o numa fase da vida abençoada, em que vivo um momento de realização plena, pessoal e profissional, em que cada dia que passa é vivido como uma benção, em que cada momento é apreciado em todo o seu esplendor e cada experiência é vivida como uma aprendizagem única e irrepetível.

Tenho hoje a sorte de liderar uma organização de excelência com uma equipa verdadeiramente formidável, de dar aulas na minha universidade do coração ensinando (e aprendendo) sobre as coisas que me apaixonam, de escrever e dirigir a revista da minha paixão e de ser respeitado pelos meus pares, apreciado pelos meus clientes e alunos e amado pela minha família. E passei a ter tempo para escrever no meu blog, by the way 🙂

Nada disso teria sido no entanto possível se eu tivesse insistido em perseguir o modelo de sucesso convencionado pela sociedade, se eu tivesse permanecido preocupado com cumprir as expectativas alheias ou se quisesse teimar em não assumir as minhas imperfeições. E todavia, é isso que somos socialmente impelidos a fazer, mesmo que de forma subliminar, não consciente e não-forçada.

Muitas vezes passamos a vida a fazer um esforço tremendo para perseguir um ideal de perfeição e felicidade que apenas nos desgasta, consome e nos enche de frustração, esgotando a nossa energia vital até ser tarde demais. Porque ser perfeito (ou parecer perfeito) dá imenso trabalho, claro!

Como diz o inspirador artigo da Harvard Business Review “Expressing Your Vulnerability Makes You Stronger“, assumir a nossa imperfeição, os nossos limites, as nossas vulnerabilidade, acaba por ser a chave para o sucesso. Porquê? Porque atesta a nossa autenticidade, a nossa genuinidade, e permite-nos percorrer a jornada pessoal do auto-conhecimento e do auto-desenvolvimento.

Quando levamos uma vida razoavelmente bem-sucedida por vezes corremos o risco de cair numa espécie de soberba intelectual, fruto de uma auto-estima demasiado bem tratada. Enquanto um percurso de valor nos alimentar a auto-confiança tudo está bem. Mas se nos criar a ilusão da perfeição, tornando-nos alheados das nossas limitações e defeitos, jamais conseguiremos evoluir e manter uma postura de humilde aprendizagem ao longo da vida.

O inverso também pode acontecer, ou seja, negarmos as imperfeições como forma de defesa face às nossa inseguranças. O efeito limitador na nossa performance é o mesmo, mas gerando contextos que encorajam estados potencialmente depressivos (é o efeito da espiral negativa baseada num auto-conceito baixo e envergonhado).

Só quem assume as suas imperfeições pode ter um locus de controle interno forte e que lhe permita desenvolver um pensamento olímpico, que leve a uma permanente auto-crítica construtiva que nos faça crescer como seres humanos e como profissionais.

A minha vida como empresário foi feita de sucessos e falhanços, como tive oportunidade de relatar há algum tempo numa memorável FuckUp Night em que participei. Nunca tive medo de falar dos fracassos ou dos momentos de vulnerabilidade que vivi, e sempre que a tentação da vergonha pairou por perto, teimei em recordar que o mais bem sucedido banqueiro português à escala mundial teve um esgotamento e não deixou de assumir isso publicamente, tornando-o num executivo ainda melhor, mais completo, mais genuíno e mais humano. Porque ser humano é ser imperfeito. Porque ser imperfeito é o que nos leva a procurar a perfeição, a procurar ser cada vez melhores, sabendo que o ideal é isso mesmo, apenas um ideal.

Tenho hoje a sorte de liderar uma organização e uma equipa fantástica, a convite de uma das mais admiráveis mulheres empreendedoras com quem tive o privilégio de me cruzar. Nunca esquecerei que o convite para o fazer foi feito à mesa de um restaurante, depois de mais de duas horas de conversa vadia, onde dois antigos colegas de curso colocaram 24 anos de conversa em dia, a 7000 kms de casa. Ao longo dessa conversa não escondi um único dos meus fracassos, ou melhor uma única das adversidades que tive de superar.

E quero acreditar que uma das razões que levou a que o convite para estar onde estou fosse feito, tem precisamente a ver com isso: eu ter mostrado quem era, sem medo, com orgulho do meu trajeto, seja nos momentos bons seja nos momentos maus.

Deixo-vos com um vídeo da fantástica Brené Brown, que nos fala precisamente sobre o poder da vulnerabilidade.

Enjoy it 😉

Reflexões

As marcas que mudam a nossa vida

A nossa vida é feita de marcos que deixam marca

Escrevo este post a partir da minha já velha cúmplice Luanda, onde vou dar aulas de Liderança, depois de ter estado ontem no Porto num evento sobre gamificação, tema que acompanho profissional e academicamente. Assim que aterrar de volta estarei a preparar a minha ida para Londres, para um evento de um parceiro de negócios, sendo que nos intervalos desta correria tenho de deixar prontos mais uns quantos negócios para serem fechados.

Para alguns isto seria um castigo ou um calvário, mas para mim é uma alegria. Não porque acredite que a felicidade se faz só do trabalho, mas porque tive a felicidade de atingir um estádio em que só faço aquilo que gosto.

Sempre me irritou o termo “work-life balance”. Não porque não acredite ou defenda o conceito de equilíbrio, mas porque esse equilíbrio é feito entre as diversas dimensões da vida, uma das quais é o trabalho. Logo, o termo é estúpido (equilíbrio entre trabalho e vida), pois que eu saiba eu não estou a falecer enquanto estou a trabalhar!

Acredito plenamente que não serei um bom pai para os meus filhos se não for também um profissional realizado. E o inverso também é verdadeiro. Nós realizamo-nos enquanto seres integrais e plenos, quando deixamos a nossa marca no mundo ao nível pessoal, profissional e até espiritual. Uma marca exclusivamente profissional é uma marca relevante, seguramente, mas mais pobre. No limite, o que devemos perguntar periodicamente a nós mesmos é como queremos um dia ser recordados. E eu não quero ser recordado apenas por ser um bom professor ou por ter sido um executivo bem sucedido. Quero ser recordado por ter sido um bom pai, um bom cidadão, um bom amigo. Em qual destas dimensões o desafio é maior é que já é uma questão mais difícil 😉

Mas para além de querermos deixar a nossa marca no mundo, a verdade é que também a nossa vida é feita de marcos que deixam marca, ou seja, o efeito que outros deixaram em nós.

As personagens da nossa vida

Para ilustrar o efeito telúrico das marcas que outros podem deixar em nós, costumo contar uma história verídica, que aqui replico.

Algures no passado, numa entrevista extremamente importante para uma oportunidade profissional de sonho, um dos entrevistadores perguntou-me: “o que o levou a tirar um PhD se não é um académico de carreira?”… perante esta pergunta, sorri e dei uma resposta que os deixou surpreendidos: “foi por causa da minha mãe”. Naturalmente que depois tive de explicar… A minha mãe era a segunda de três filhos no seio de uma família modesta da Lisboa típica dos anos 30, à beira do rebentar da II Guerra Mundial. Numa família portuguesa da época com poucos recursos, não havia hipótese de todos os filhos seguirem os estudos para lá da escola primária. O meu avô, com a sabedoria possivel à época, seguiu um critério muito comum na altura, que hoje seria considerado uma barbaridade: “tendo eu 2 filhas e 1 filho, vou dar a oportunidade de estudar ao rapaz.”… Ora bem, o sonho da minha mãe era ser advogada, e tanto quanto sei sobre o seu potencial intelectual, ela teria dado uma jurista fabulosa. Mas teve o azar de nascer numa época em que um critério sexista e nada esclarecido lhe tirou a oportunidade de ter tido uma carreira completamente diferente. Ironicamente, o meu tio que teve a oportunidade de estudar não passou do 1º ano do ciclo e foi empregado de mesa a vida toda. A minha mãe não pôde ter mais do que a 4ª classe e chegou a chefe de departamento numa empresa privada, numa actividade profissional que hoje já não existe (dactilografia). Mas podia ter sido uma brilhante advogada… Por isso, explico eu em conclusão, desta história eu tirei uma grande lição que me orientou para o resto da vida: as oportunidades têm de ser agarradas com unhas e dentes, pois nunca sabemos se e quando voltarão a surgir. As oportunidades são uma benção que devemos agradecer retribuindo com trabalho, dedicação, ambição e profissionalismo, no fundo o legado que a minha mãe me deixou, e que eu tento honrar todos os dias. Foi por isso que eu dediquei o meu PhD a ela, apesar de ela já não ter podido apreciar a sua conclusão plenamente.

E esta é uma das histórias que marcará a minha vida para sempre.

Há pessoas que viverão sempre dentro de nós

Como eu costumo ensinar aos meus alunos, nos momentos importantes da nossa vida há sempre alguém que esteve lá, seja para nos ensinar algo, seja para acreditar em nós e nos apoiar, seja para nos dar uma oportunidade. Essas são pessoas que passam a fazer parte do nosso património pessoal, e que prevalecem para lá da sua própria passagem por este mundo.

A minha mãe foi uma delas.

Apesar da sua modesta educação formal, o seu exemplo deixou em mim enormes marcas e moldou aquilo que eu hoje sou.

Foi com ela que aprendi o valor do trabalho e da excelência. Foi com ela que aprendi que a liderança envolve proximidade mas também distância. Foi com ela que aprendi que para sermos seguidos temos de ser respeitados, o que implica respeitar os outros, darmo-nos ao respeito e sermos irrepreensíveis no exemplo que damos.

Se foi com meu pai que aprendi o valor da justiça e ganhei o gosto pelos livros e pela leitura, foi com a minha mãe que aprendi o valor de escutar os outros e ganhei o gosto pela escrita (ainda hoje guardo a máquina de escrever onde ela trabalhava à noite em casa e onde eu escrevi as minhas primeiras linhas de prosa).

Como eu gostava de ser capaz de educar os meus filhos como ela nos educou a nós! Por muito mal que nos comportássemos ela nunca perdia a calma e fazia questão de resolver sempre tudo a conversar connosco. Mesmo quando eu era um catraio de dez anos incorrigível e endiabrado que não queria escutar, ela enchia-se de paciência e falava comigo, com uma calma que eu apenas ambiciono um dia ter, mas da qual ainda estou tão longe…

Ela foi sempre um pilar da família, seja pelo afecto que distribuía, seja pelo respeito que instilava. Quando a minha avó morreu, foi ela que assumiu a responsabilidade de manter a família unida em torno de velhos hábitos, como o nosso jantar de fim de semana que, religiosamente, reunia dezenas de familiares. Caramba, como tenho saudades desses tempos…

Fazes-me falta, mãe. Mas viverás sempre dentro de nós. E nunca na vida deixarei de aproveitar uma oportunidade. Em tua homenagem e pelas oportunidades que não pudeste aproveitar.

Dedico este texto aos meus filhos. Espero estar à altura do legado que ela nos deixou a todos nós e que gostava muito de lhes passar.

Abraços desta quente Luanda…

Livre-arbítrio, Reflexões

Nós somos as pessoas que escolhemos

Estamos sempre a aprender com a vida


Dou por mim a escrever este post num quente final de noite em Évora, ao som de bom jazz e música brasileira, na véspera de uma aula de Liderança dada no Master in Finance da Católica Lisbon, depois de um dia de trabalho passado no Alentejo a trabalhar para um dos meus clientes preferidos.

É curioso como pouco antes da meia-noite ainda me sinto com energia para escrever. Talvez porque a escrita, à semelhança do acto de ensinar, me acalma, me realiza, me regenera. É pois uma das minhas ferramentas de resiliência, que me devolvem um senso de propósito e sentido neste mundo louco, emocionante e veloz que vivemos hoje.

Na verdade, ando para escrever este post há meses, mas a perda da minha mãe levou a que o atrasasse significativamente. Foi maturando, qual um bom vinho, num Moleskine que me acompanha sempre, onde escrevo notas soltas a carvão sobre ideias e onde intercalo alguns esboços e cartoons que me vai dando para fazer. Mais uma ferramenta de restituição de sanidade 😉

Este post dá continuação ao meu post “Nós somos o caminho que fazemos“, onde defendia que o livre-arbítrio pode conviver com a transcendência, por via atribuição de significado. Usei a Teoria do Gato de Schrodinger e a Teoria do Caos e o Efeito Borboleta para o explicar. Mas o que faltou dizer nesse post é que a realidade, como sempre, demonstra ser um pouco mais complexa que qualquer modelo teórico.

O que aprendi neste período de regeneração pessoal, que foi feito de muitas realizações, mas também de desilusões profundas, é que nós somos o produto do que nós decidimos ser com os outros que nos calham em sorte. Confusos? Passo a explicar.

A premissa por detrás desta reflexão foi a constatação de que nós somos o produto das nossas co-criações. Sim, porque o ser humano tipicamente co-cria, uma vez que é um ser social. Por isso mesmo, aquilo que somos e aquilo que fazemos é sempre produto daquilo que decidimos fazer com as interacções que vamos tendo com os outros seres humanos com que nos cruzamos nas nossas vidas.

Por isso os nossos pais sempre insistiram naquela máxima de termos “cuidado com as companhias”. É absolutamente verdade, uma vez que aquilo que somos e fazemos é permanentemente afectado e transformado pelos outros de que nos rodeamos, por aquilo que fazemos com eles, pelos significados comuns que atribuímos a acontecimentos e realizações, pela troca de ideias and so on and so on and so on….

Logo, a interacção com os outros é transformadora da nossa performance e do nosso ser, tal como é transformadora da performance alheia e do ser alheio. Este é verdadeiramente o poder do ser humano. O poder da co-criação.

Nesta dinâmica, um dos segredos para termos sucesso (e o que significa sucesso ficará para outro post) é escolhermos bem com quem interagimos. Há pessoas que nos sugam a energia e nos empurram para baixo e há pessoas que nos enchem de energia e nos empurram para cima. E por muito que queiramos ser simpáticos com toda a gente não podemos interagir da mesma forma com pessoas diferentes.

A nossa jornada é demasiado importante para que não conheçamos bem os tipos de caminhantes com que podemos estar a fazê-las. Por isso dei por mim a classificar as pessoas com quem me cruzo em 4 tipos diferentes.

Os 4 Walker Types

Após alguns anos de reflexão e crítica retrospectiva, dei por mim a encontrar tipicamente 4 tipos de pessoas com quem me cruzei. O racional de caracterização das diversas tipologias passa pela sua predisposição para a dádiva e pela sua propensão para a dependência.

Comecemos pelos Transeuntes.

Este tipo de pessoa tende a cruzar-se connosco de forma superficial e pouco significativa. Faz parte do grupo de “conhecidos”, com quem convivemos pontualmente em algumas ocasiões sociais, mas com os quais não tivemos interacções impactantes, seja ao nível das comunalidades seja ao nível das diferenças ou das complementaridades. Tendem a ser quase “invisíveis” para nós, sendo até difícil às vezes recordar os seus nomes, o que não significa sequer que antipatizemos com eles. Significa apenas que não nos captaram a atenção lorque não nos pediram nada de especial mas também não nos deram nada de importante. São neutros, portanto. Com os mesmos há que polidamente gastar o mínimo de tempo possível ou tentar descobrir se algum pode evoluir para outro tipo de tipologia.

Passemos aos Dependentes.

Os dependentes são pessoas que nos pedem ajuda e em parte se definem pela ajuda que vão obtendo dos outros. Os actos de co-criação são assim desequilibrados, pois não são baseados numa interacção mutuamente proveitosa, mas sim num conjunto de interacções que revelam dependência, ou seja, muito para pedir e nada ou muito pouco para dar.
Muitas vezes damos por nós a querer ajudar um dependente de forma generosa e desinteressada e constatamos que passámos a ficar afogados em pedidos, solicitações, vendo o nosso tempo a ser consumido por alguém que nos puxa cada vez mais para baixo com a sua dependência e que não nos faz crescer, não nos ensina nada, e muitas vezes nem agradece. É uma troca de soma negativa, na prática. Com estes há que ser firme e libertar-nos da relação de dependência, pois são os nossos sugadores de energia por excelência. Há que ter particular cuidado, pois muitas vezes surgem-nos como “falsos transacionais” (tipologia seguinte).
Vejamos agora os Transacionais.

Os transacionais são co-criadores equilibrados por excelência. Estabelecem connosco uma relação nutritiva, ou seja, tanto nos dão aprendizagens, colaboração, amizade, tempo, conselhos, confidências, sugestões, ideias, ajuda (e tantas outras coisas), como nos pedem naturalmente que façamos o mesmo por eles.

A troca (ou transacção) surge como natural, não imposta, espontânea, feita com base no princípio da reciprocidade. É neste tipo de tipologia que encontramos verdadeiros amigos, que nos ajudam desinteressadamente, o que não significa que não tenhamos o dever de fazer o mesmo por eles. Mas esse dever não custa, porque não há melhor recompensa do que a dádiva 😉

Devemos rodear-nos deste tipo de walkers o mais possível, pois é com eles que a jornada é proveitosa. E será ainda mais se de vez em quando tivermos a sorte de nos cruzar com o último tipo de walker…

Concluamos então com os Generativos.

Os generativos são walkers mais raros, mas muito valiosos e relevantes na nossa vida.

Tendem a ser pessoas mais maduras e sábias que nós, que de forma natural nos dão o muito que têm para dar (ensinamentos, conhecimento, conselho, compreensão, exigência, e muitas outras coisas), mas de uma forma generativa, ou seja, como uma espécie de dádiva que é suficientemente recompensadora se se limitar a ser apreciada e aproveitada por nós. Estas pessoas não tendem a pedir-nos nada em troca pura e simplesmente porque, na maioria dos casos, não precisam.

Surgem na nossa vida como mentores, professores, conselheiros, líderes ou “older buddies”, cuja companhia e amizade devemos cultivar, sem cair no erro de nos tornarmos dependentes.

E vós, sabem com que tipo de walkers têm feito a vossa caminhada?

Deixo-vos com um vídeo sobre o poder da dádiva. Enjoy 😉

Reflexões, Talento, Trends

Portugal (sempre) vale(u) a pena

Porque estamos todos contentes

Classic-portugal-1Não resisti a escrever este post depois de ler o post da minha amiga Rita no Facebook. A Rita teve a gentileza de me aceitar como amigo no Facebook apesar de só me aturar em contexto profissional. Esse gesto generoso foi uma benção para mim, que tive oportunidade de conhecer uma pessoa cujas facetas como ser humano são francamente inspiradoras e surpreendentes. Por isso mesmo, obrigado Rita 🙂

Ora o que é que Rita publicou que me motivou tanto a escrever? Bem a Rita soube colocar em belas palavras aquilo que nos vai na alma enquanto portugueses: um sentimento de grande orgulho e alegria por pertencermos a esta pequena-grande Nação, onde conseguimos feitos assinaláveis apesar das circunstâncias de partida serem desfavoráveis.

No caso dela em particular, o motivo de orgulho e satisfação era pleno, pois ela (tal como eu) torce pelo Glorioso e por isso teve razões para comemorar no sentido desportivo, para além do artístico e do transcendental.

Não resisto a citá-la, nas suas inspiradas e tocantes palavras:

“Parece que tomámos consciência de que o nosso país e os portugueses são fantásticos, mas a verdade é que a mudança começa em cada um de nós. Que ser autêntico num mundo de cópias vale ouro; que ter um coração grande onde cabe sempre mais um não é sinal de fraqueza, mas de grandeza. Percebemos que, permanecer humilde quando a arrogância se torna uma pandemia é ter nobreza de espírito e não pequenez.”

Estamos assim todos contentes, mas pelos motivos certos, quero acreditar.

Porque Portugal sempre valeu a pena

Apesar da nossa tendência para o pessimismo e para o fado, produto de uma pesada herança cultural (ver meu artigo), a verdade é que sempre tivemos, enquanto Nação, uma enorme capacidade de vencer a adversidade e de reinventar as nossas alavancas de prosperidade.

Sempre procurei neste blog destacar precisamente esse lado positivo de Portugal (ver posts anteriores) que estou convicto que assenta precisamente nos nossos activos intelectuais, na nossa capacidade de fazer fluir conhecimento entre nós, aceitando a diversidade, a diferença e a singularidade de todos aqueles que possam ter valor, de alguma forma.

Por isso sinto que este nosso país continua a ser um porto seguro para todos aqueles que queiram desenvolver os seus talentos, e sinto-o todos os dias, seja na multinacional onde trabalho, seja na universidade onde ensino, seja nas muitas outras coisas que faço. Essa aceitação da diferença, que é um exercício misto de humildade e sabedoria, é hoje algo que tanta falta faz num mundo onde proliferam as certezas indiscutíveis e as intolerâncias máximas, o fundamentalismo e a violência.

Por isso o significado simbólico deste fim-de-semana, onde no mesmo país pudemos celebrar essa homenagem ao amor pelo próximo e ao respeito pela diferença, com a visita do Papa Francisco, onde pudemos celebrar uma vitória desportiva conseguida com trabalho, determinação, humildade e elegância (nunca devemos baixar o nível ou descer a fasquia) e por fim onde pudemos viver uma vitória da criatividade, simplicidade e genuinidade (mas sempre, sempre, com substância e significado).

Por isso sim, Portugal é um país que sempre valeu a pena 😉

Deixo-vos com uma espectacular análise de Joana Capucho no DN Online sobre a portugalidade, uma excelente notícia sobre a nossa economia dada pelo Observador, ainda com um interessante vídeo sobre o nosso país visto pelos olhos de turistas. Enjoy 😉

Desafios, Reflexões

Não acredito no fracasso

FuckUpNights-3-754431Tive o privilégio de participar o mês passado num evento fabuloso chamado “Fuckup Nights”, na Reitoria da Universidade de Lisboa.

É um evento dedicado a empreendedores, em que diversos oradores convidados são desafiados a falar das suas histórias de fracasso e superação.

Eu tive o gosto de ir lá contar a minha história, e explicar porque não acredito no fracasso.

Dedico esta palestra à minha mãe e a todos com quem tanto aprendi.

Podem ouvi-la aqui. Enjoy 🙂

Reflexões, Trends

Nós somos o caminho que fazemos

Balanços de vida, destino e nexos de causalidade

Aproxima-se o fim do ano e começa a emergir devagarinho aquela tentação de fazer um balanço do nosso ano. Essa construção abstracta da mente humana para medir um eterno presente, a que chamamos tempo, propicia, com as suas unidades de medida um marco propício a uma reflexão retrospectiva sobre as nossas realizações, as nossas desilusões, as nossas conquistas e as nossas frustrações.

2016, apesar de ter sido um ano de grandes realizações para Portugal (crescimento da economia, Europeu de Futebol, muitas outras conquistas desportivas, um Secretário Geral da ONU, o WebSummit, o emergir das startups, a nova “movida” de Lisboa e do Porto e o boom de turismo, etc, etc, etc) também foi um ano de enormes perplexidade e sinais de preocupação (dos quais destaco apenas o Brexit, as eleições norte-americanas e o desastre humanitário na Síria). Ao nível das pessoas de norme qualidade que nos deixaram em 2016 nem vou tentar fazer qualquer enunciação (a lista é longa e provavelmente ainda não terminou).

Apesar de todos estes potenciais balanços entre coisas boas e más, tenho enorme relutância em classificar como bom ou mau qualquer ano. E isto porquê? Porque acredito que os acontecimentos não valem por si só, mas sim por aquilo que decidimos fazer com eles. Nem de outra maneira poderia ser, uma vez que abraço um locus de controle claramente interno. Sobre locus de controle escrevi abundantemente nos meus posts (ver aqui), pelo que não irei alongar-me sobre isso.

Mas nem só de locus de controle se trata. Trata-se de como desenvolver uma atitude construtiva face à vida, através daquilo a que eu chamo um pensamento olímpico (eu e não só, que a expressão foi inventada pela atleta Marilyn King (sobre este tema podem espreitar o meu post “Com que polaroid fotografamos o nosso trabalho?” e a minha palestra TED).

Ao longo deste ano cruzei-me com muita gente imensamente talentosa. Uma dessas pessoas, uma mente brilhante, tem-me proporcionado algumas tertúlias interessantes à volta do tópico do destino. Sendo uma pessoa inteligentíssima mas com uma costela mais virada para a espiritualidade, a sua enorme capacidade de observação permite-lhe encontrar padrões nas inúmeras e infindáveis sequências de factos com que se depara na sua jornada de vida. Face a este tipo de talento, muitas vezes dá por si a atribuir sentido a determinados padrões factuais, explicando-os como sendo produto do destino ou do (como costuma dizer) “plano do universo”.

Independentemente das crenças que possa ou não ter, a minha costela de homem de ciência não resiste a um bom contraditório face a esta linha de pensamento, ou pelo menos a encontrar uma explicação mais científica para estes padrões de acontecimentos e seus supostos nexos de causalidade.

Fui por isso buscar dois referenciais teóricos: um à física quântca e outro à teoria do caos.

Comecemos pela física quântica. Para explicar este tal “plano do Universo” eu costumo invocar a experiência do gato de Schrodinger. Sobre isto já escrevi desenvolvidamente no meu post “O Principio de Schrodinger“, mas apresento aqui o racional resumido: a teoria do gato de Schrodinger postula que tudo passa a existir quando, e apenas se, passar a ter um observador. Ou seja, a matéria só passa a ser matéria quando observada. É pois a presença de um observador que transforma algo em realidade. Até lá limita-se a ser apenas uma mera possibilidade.

Se pensarmos bem neste princípio da física quântica, constatamos que o mesmo pode ser ligado a qualquer nexo de causalidade, a factos puros e duros e até às relações humanas.

Senão vejamos: à luz de Schrodinger, eu, que me cruzo com milhares de pessoas ao longo do anos (entre alunos, colegas, clientes, amigos e conhecidos) apenas me cruzo afinal com diversas “possibilidades” em termos de relações humanas. Apesar de serem pessoas, esses milhares de individualidades com quem me cruzo têm um significado e uma importância meramente difusos, porque produto de um cruzar casual de trajectórias.

Todavia, há pessoas que eu conheci e que só mais tarde (às vezes anos mais tarde) eu vim de facto a conhecer, porque as circunstâncias da vida levaram a que interagíssemos com significado relevante atribuído por mim. Ou seja, porque eu passei a observar aquela pessoa à luz de um novo olhar, verdadeiramente significativo, aquela pessoa deixou de ser invisível para mim e passou a ser alguém importante, alguém que parece que estava “destinada a cruzar-se comigo”.

A teoria do gato de Schrodinger explica-nos assim que haverá certamente uma razão para eu ter conhecido aquela pessoa só naquele segundo momento, ou melhor, para nos termos conhecido naquele segundo momento (sim, porque eu também não sou o mesmo que era antes). A essa razão chamo atribuição de significado. Os nossos caminhos, mesmo depois de se terem cruzado no primeiro momento, não passavam de uma possibilidade ignorada por ambos. Hoje esse primeiro momento terá um significado diferente se foi observado por ambos e daí tenha sido estabelecido um nexo de causalidade que não só tornou verdade esse cruzar de caminhos como irá condicionar a jornada de ambos daqui para a frente.

Por isso mesmo o livre arbítrio pode conviver com o destino.

Porque o que chamamos destino mais não é que a revelação da coerência dos significados que decidimos atribuir àquilo que nos acontece.

Ou seja, as nossas decisões e a percepção que temos das mesmas podem reforçar um locus de controle mais interno e solidificar toda a arquitectura da nossa catedral interior a que chamamos “sentido da vida”.

Assim, a pergunta que se coloca a seguir é apenas esta: então nós não passamos de indivíduos que, para lidar melhor com o carácter aleatório do que nos acontece, passamos a vida a atribuir sentido àquilo que aconteceu por acaso? Seremos meros patetas a correr atrás de significados reconfortantes?

A esta dolorosa pergunta terei de responder veementemente “não”. E explico a seguir porquê 😉

A teoria do caos e o efeito borboleta

Afinal há ou não aleatoriedade naquilo que nos acontece? Sim, há. Mas o que nos acontece não se limita a um fluxo aleatório de acontecimentos. Esse fluxo é dinâmico e permanentemente afectado por acontecimentos que são gerados pelos outros agentes presentes no meio que nos rodeia.

Alguns, como as forças da natureza, são razoavelmente aleatórios, seguindo todavia o padrão estabelecido pelas leis da natureza, como por exemplo as regras universais da física e da química.

Outros têm um padrão mais complexo, porque derivam de acções deliberadas (são os acontecimentos provocados por outros seres humanos).

Em ambos os casos, o que a teoria do efeito borboleta nos diz é que o mundo é uma entidade sistémica, em que todos os acontecimentos afectam o padrão de eventos futuros, de tal forma que a metáfora ilustrativa do fenómeno nos diz que um bater de asas de uma borboleta na Europa pode provocar um tsunami na Ásia, tal é o carácter exponencial do efeito de dominó que uma acção pode provocar. Sobre o efeito borboleta também escrevi no meu blog (ver aqui).

Assim a teoria do caos e o efeito borboleta postulam que tudo o que fazemos afecta de alguma forma o que nos rodeia e os eventos futuros. É no fundo a versão científica do princípio popular de que todos colhemos o que semeamos. Algo que as nossas queridas mães nos ensinam desde pequeninos…

Se juntarmos as duas teorias ficamos com uma ética de acção que nos norteia no presente, nos orienta o futuro e nos ajuda a atribuir significado ao passado.

Porque o nosso livre arbítrio é também uma responsabilidade perante os outros e perante nós próprios, afectando o destino de tudo o que nos rodeia.

O plano universal pode assim coabitar com a nossa singularidade e a nossa vontade, ajudando-nos a compreender e a aceitar o nosso karma, que nunca é produto apenas de sorte ou acaso.

Por isso costumo dizer que nós somos o que somos, mas aquilo que somos mais não é que o produto do caminho que fazemos.

Ou seja, aquilo que nos define enquanto indivíduos não é até onde nos levou a jornada da vida, mas sim como decidimos a todo o momento fazer essa mesma jornada. É por isso que seremos verdadeiramente recordados.

Ao compreendermos isto torna-se muito mais simples fazer as pazes connosco próprios, não vos parece?

Votos de Boas Festas e um excelente 2017 😉

Deixo-vos com um interessante vídeo sobre o efeito borboleta.

Enjoy 😉

Reflexões

Com que polaroid fotografamos o nosso trabalho?

O prazer da realização está na jornada

Renovo o prazer de escrever no “Mentes Brilhantes” após muitos meses de silêncio. Muitas vezes, por muito forte que seja o gosto da escrita, a pulsão criativa é engolida pela voragem do dia-a-dia, onde múltiplos interesses e compromissos nos absorvem de tal forma que nos privamos de fazer algumas das coisas que são verdadeiramente importantes. Sobre esse equilíbrio, essencial na nossa vida, falarei oportunamente noutro post.

Hoje o post é precisamente sobre a voragem em que me vi absorvido e o que tive a oportunidade de observar na mesma.

Todas as jornadas, por muito atribuladas que sejam, têm sempre oportunidades de contemplação que constituem momentos de aprendizagem. Se os aproveitamos ou não, cabe-nos a nós decidir…

Há mais de um ano que decidi abraçar um novo desafio profissional, que foi um misto de nova aventura e de regresso a casa. Foi muito recompensador constatar que podemos reatar laços antigos com a naturalidade de quem reencontra velhos amigos, e que podemos (re)activar hábitos de trabalho que já não estávamos certos de conseguir adoptar de novo.

Mas nem tudo foram rosas. O regresso também teve as suas pedras pelo caminho, as quais muito me ajudaram a ser hoje alguém diferente do que era há um ano atrás. As adversidades podem ser um poderoso instrumento de aprendizagem e superação (se assim os quisermos encarar, claro).

Cada um se posiciona conforme a polaroid que usa

Uma das maiores adversidades com que tive de lidar foi a forma como alguns colegas encararam a “novidade” que a minha chegada constituía. Desde pares a subordinados, tive reacções para todos os gostos, e com elas tive de aprender a conviver, procurando obter resultados o mais produtivos possível, atendendo às circunstâncias… a missão que tinha abraçado assim o exigia.

Olhando agora retrospectivamente para essa jornada, consigo identificar diferentes posicionamentos executivos, ou seja, diferentes formas de olhar para a realidade do nosso trabalho e das organizações onde o exercemos, que enformam a nossa forma de encarar a realidade e que condicionam a nossa acção face ao contexto e aos seus diferentes actores.

Na prática, a forma como interagimos no trabalho e tomamos decisões profissionais é em parte produto da “fotografia” que tiramos ao mundo que nos rodeia. Essa fotografia é mais colorida ou mais sépia? A imagem é mais definida ou com mais grão? A imagem tem uma moldura reconfortante e bem definida ou tem os contornos carcomidos pelo tempo?

Por isso a pergunta que temos de fazer é: com que polaroid fotografamos o nosso trabalho?

Essa polaroid, ou seja, a forma como olhamos para a realidade, vai afectar a forma como nos posicionamos face à execução de planos de trabalho, missões que nos são atribuídas, actividades que temos de desenvolver ou mesmo colaborações que temos de promover ou efectuar.

Os quatro posicionamentos executivos

Percebi ao longo deste ano que esse posicionamento varia, mas obedece a um padrão tendencial, que se constitui em função de dois factores:

Vejamos então quais são os quatro posicionamentos executivos que tendo a encontrar:

  1. Se tivermos um locus de controle externo, teremos tendência a externalizar os nexos causais relativos aos factos da nossa vida. Teremos uma visão fatalista da vida (o fado tão lusitano), acreditando que Deus ou qualquer outra entidade “superior” (Estado, patrão, pais, etc.) é a causa daquilo que nos acontece. Ora quando esta visão fatalista e não proactiva da vida se cruza com uma postura optimista, temos aquilo a que eu costumo chamar o Pensamento Mágico. Já no meu post “Frustralentos” tinha desenvolvido esta tipologia, que reside num posicionamento muito comum nas organizações portuguesas. Esta postura conjuga alegria no trabalho com pouco sentido de responsabilidade, justificado pela crença de que “tudo correrá bem”. Temos pois um posicionamento passivo e virado para o presente, sem grande atenção ao passado nem capacidade de projecção do futuro. Do ponto de vista da interlocução, são pares com quem temos de ter alguma cautela nos compromissos que acordamos, pois há elevada probabilidade de falharem os prazos ou os requisitos da produção combinada entre as partes. Não o fazem por má intenção nem deliberadamente, mas por serem optimistas na previsão e por não anteciparem constrangimentos na execução (ou contarem que alguém na instância superior da organização os resolverá). Com estes interlocutores teremos de ter cuidado redobrado com o controle da execução, acordando check-points regulares a ciclo curto e planos de acção intercalares para corrigir a trajectória, quando for caso disso.
  2. Já quando o locus de controle externo se cruza com uma tendência para o pessimismo, temos um posicionamento executivo a que chamo Cautela Nemoniana. Falamos de pessoas que têm tendência mais uma vez para não tomar a vida nas suas mãos, mas a desenvolver uma narrativa explicativa dos factos que assenta sempre em factores externos. Todavia, como a sua tendência é para olhar para as coisas pelo lado do “copo meio vazio”, pelo lado das perdas, pelo lado negativo e pessimista, a sua actuação tende a ser como a actuação que o pai do peixe Nemo tinha  (no famoso filme de animação da Pixar “Finding Nemo”). Ora o que caracterizava o comportamento do pai do Nemo era precisamente a aversão ao risco, que tinha como motivo subjacente o tendencial pessimismo. Não corremos riscos porque as coisas podem correr mal, temos medo do julgamento que os outros farão se não correspondermos às expectativas, temos medo do falhanço e do insucesso. Assim, no limite o melhor para evitar que algo corra mal é não fazer nada, ou ter as costas quentes do chefe ou mandar o tal mail com c/c a toda a gente! E assim ficamos atulhados de mails inúteis enviados por colaboradores ou colegas invadidos da sua cautela nemoniana, que nos põem em c/c just in casereconhecem o retrato? Pois… com estes interlocutores há que tentar encontrar formas de desenvolver a sua autonomia e capacidade, tratando de os fazer ganhar confiança e levando-os a correr pequenos riscos. Requerem imenso investimento de tempo, ou com a validação sucessiva de todos os passinhos que dão, ou com o nosso esforço de os ensinar a caminhar sozinhos. Não tenhamos todavia a ilusão de que os iremos transformar radicalmente. Neste caso, a maior limitação do seu potencial é precisamente a sua percepção de capacidade. Muito do que não chegam a viver deve-se aos seus medos e receios, a tudo o que vai dentro da sua mente, e não a factores externos, como frequentemente acham…
  3. Se tivermos um locus de controle interno, teremos tendência a estabelecer nexos de causalidade com os factos da vida que estão ligados aos nossos actos e decisões, levando-nos a reflectir sobre o que fazer para mudar o curso dos acontecimentos, como melhorar a nossa eficácia se assim o quisermos. Teremos então uma postura proactiva sobre a vida, cuja forma de se expressar vai variar conforme tendemos para o optimismo ou para o pessimismo. Começemos pelo pessimismo, e vamos encontrar o posicionamento a que chamo a Formação Espartana. Como certamente saberão, Esparta foi uma cidade que se destacou pela sua vocação militar e pela forma frugal e dedicada com que os seus soldados se preparavam para a guerra. Pois este posicionamento executivo releva este tipo de características, ou seja, um locus de controle externo, quando influenciado por uma tendência para o pessimismo, cria uma espécie de soldado, de combatente, que procura antecipar tudo o que de mau lhe possa acontecer e tenta mudar o curso aos acontecimentos, neutralizando potenciais adversários, demarcando território e tentando sabotar potenciais iniciativas dos seus concorrentes. Sendo um posicionamento tendencialmente mais empreendedor, tanto pode criar algum valor como pode destruir imenso valor (porque impede ou dificulta a colaboração dentro da organização). Perante este posicionamento há que assumir uma postura cautelosa e diplomática, tentando antecipar o que possam ser as suas razões e as razões por detrás das suas iniciativas. Há que manter o sangue frio e tentar colocar em perspectiva as suas motivações, de forma a evitar que percamos a calma e retaliemos também nós em formação espartana. O segredo com este posicionamente executivo é fazer deles nossos aliados, criando pontes e formas de colaboração que permitam ao interlocutor perceber que, de forma verdadeira e genuína, só tem a ganhar em trabalhar connosco. Quando muitas vezes nos deparamos com uma marcação de território cerrada e uma intencionalidade excessivamente desconfiada e negativa, pode haver a necessidade de escolher estabelecer uma fronteira clara (ou de não-colaboração ou de confronto) que leve ao reforço da sensatez de seguir pelo caminho da colaboração;
  4. Por fim temos o que eu chamo de Pensamento Olímpico, ou seja, um posicionamento que resulta de um forte locus de controle interno com uma tendência para o optimismo. Este é o posicionamento que eu considero mais nutritivo e mais potenciador da criação de valor, uma vez que a postura proactiva sobre a vida e o trabalho não é toldada pelo medo. Este tipo de interlocutores tende a olhar para o lado do “copo meio cheio”, para o lado positivo das pessoas e dos factos, conseguindo discernir rapidamente como tirar proveito dos factos (mesmo dos mais adversos) e contagiando as pessoas ao sru redor com a sua energia. Costumam ser óptimos a descobrir e desenvolver os talentos dos outros (mas também os seus, uma vez que não são limitados pela sua percepção de capacidade, que neste caso é alta). São tipicamente os interlocutores que não têm medo de tomar a iniciativa, de correr riscos, de se “atirarem para a piscina” e que depois são capazes de reflectir sobre como melhorar (seja qual for o outcome), pois não estão aterrorizados com o sucesso ou o falhanço. Fazem-me lembrar uma pessoa notavelmente talentosa com quem me cruzei há algum tempo e que me dizia: “… para mim o fracasso não existe, pois sou eu que decido o que faço com os acontecimentos e o que aprendo com eles!”.

… Pois bem, não o conseguiria dizer melhor 🙂

E o que fazer com isto, by the way?

Aquilo que a minha experiência me ensinou foi que podemos naturalmente conviver com os quatro posicionamentos, sendo que alguns são mais nutritivos e potencialmente facilitadores do contexto colaborativo que outros.

Comecemos pelos que assumem um pensamento mágico.Se tiverem um chefe assim vai ser vossa missão garantir todos os checks and do’s necessários para que tudo corra bem. Vão ter de ser o “Sir Humphrey” do pedaço (quem não sabe quem é o Sir Humphrey pode educar-se aqui), assegurando o bom curso dos acontecimentos sem nunca quebrar os laços de lealdade.Se forem pares ou colaboradores assegurem-se que monitoram bem os pontos de controle das actividades e sejam exigentes, pois sem isso não os desenvolvem nem salvaguardam o sucesso das vossas iniciativas.

Com os que assumem uma cautela nemoniana a abordagem tem de ser outra. Se tiverem um chefe assim, a minha primeira recomendação é que procurem outro com urgência. Com esse tipo de chefe nunca terão um contexto inspirador ou onde se possam desenvolver. mas enquanto não arranjam outro, a vossa prioridade é dar-lhe confiança. Forneçam estudos de viabilidade, business cases, boa fundamentação para decisões, benchmarks. Mas nunca sejam vagos ou proponham algo sem ter feito o TPC. Será a morte do artista. Se for um par tomem a iniciativa e levem-no atrás de vós, sempre trabalhando também a confiança. Se forem colaboradores, ensinem-lhes a dar os primeiros passos na estranha disciplina da autonomia (não será fácil, mas é possível).

Com aqueles que estão posicionados em formação espartana a táctica terá de ser distinta. Se for o vosso chefe terão de ser o campeão das suas iniciativas e ao mesmo tempo uma espécie de embaixador da boa vontade nas relações com os outros. Como este papel é um bocado cansativo e bastante limitador da vossa capacidade de brilhar por boas razões, sugiro que procurem um novo chefe com urgência, antes que a vossa reputação profissional seja “chamuscada” pelo sua fogosidade litigante. Se forem pares, marquem o território e façam deles vossos aliados. Se forem colaboradores, dêm-lhes imenso trabalho e puxem por eles com feedback positivo, celebrando os seus achievements, para combaterem o seu pessimismo crónico.

Por fim, rodeiem-se de gente com pensamento olímpico.Se tiverem a sorte de ter um chefe assim perservem-no, pois ele será uma fonte de estímulo, aprendizagem e energia positiva. Procurem também pares assim, que serão os melhores aliados organizacionais, que convosco colaborarão de forma sincera, pois não têm receio de vós. Procurem igualmente rodear-se de colaboradores com este posicionamento, pois eles serão os campeões da vossa prática virtuosa, se assumirem vocês próprios este tipo de posicionamento (o principio da reciprocidade a funcionar).

Ao longo da jornada, como o mundo não é perfeito nem arrumadinho, há que aprender a lidar com o que nos calha em sorte, de forma a que a sorte não domine o nosso destino 🙂

Deixo-vos com um fabuloso vídeo da Marylin King precisamente sobre o pensamento olímpico. Não deixem de o ver, pois é imensamente inspirador e elucidativo.

Enjoy it 🙂

 

 

Reflexões

Os Heróis Nunca Morrem

Os heróis deixam marcas

Somewhere, something incredible is waiting to be known. Carl Sagan

Escrevo este post a partir de Luanda, com o coração quente do regresso a uma terra que amo, mas apertado pela perda recente de um dos meus heróis.
A palavra herói tem muitas definições. A mais comum define herói como alguém que deu a vida por uma causa honrada. Nesta categoria lembro-me de Abraham Lincoln ou Martin Luther King. Outra definição possível é a de alguém que viveu a vida dedicado a uma causa meritória. Nesta categoria lembro-me de Nelson Mandela ou de Carl Sagan.

Mas eu prefiro uma definição um pouco diferente.

Para mim, um herói é alguém que, de alguma forma, nos marcou pelo seu exemplo, pelas mensagens indeléveis que deixou escritas nesse livro sempre incompleto que é a nossa vida. Prefiro esta categoria pois é uma categoria mais rica e inclusiva.

Nesta categoria cabem aqueles a quem eu chamo os “heróis anónimos”. Esses heróis não são necessariamente famosos, não são muitas vezes figuras públicas, mas a sua virtude e os seus talentos nem por isso deixaram de fazer a diferença, nem por isso deixaram de tocar a vida de muita gente. A grandeza destes heróis reside muitas vezes na sua simplicidade e na sua discrição. O que não faz deles heróis menores. Antes pelo contrário.

Heróis anónimos que nos inspiram

O Carlos fazia parte desta categoria. O seu exemplo de coragem e verticalidade não encheu as páginas dos jornais. Mas encheu muitas páginas da nossa vida.

E como encheu ele essas páginas? Com a sua eterna curiosidade pelo mundo e pela vida. Uma curiosidade juvenil aliada a um gosto de descobrir e de aprender que fizeram dele uma eterna criança, com os olhos vivos e brilhantes de quem descobriu mais alguma coisa, de quem aprendeu com alguém mais um pedacinho dessa sabedoria que ele construía todos os dias.

Ele foi uma das minhas referências naquilo que eu chamo uma postura intelectual renascentista. Uma postura de constante curiosidade multi-disciplinar, em que a apreensão de múltiplos saberes leva sempre ao desbravar de novas fronteiras do conhecimento. Esse conhecimento, do qual nos alimentamos como seiva vital da nossa existência, nada é no entanto se não for partilhado. E como ele sabia isso tão bem.

A sua ânsia de partilhar o que sabia faziam dele um comensal por excelência, um promotor de tertúlias que duravam horas, de debates que entusiasmavam os grupos por onde passava. Com ele debati (e aprendi!) História, Filosofia, Política, Literatura, Cinema, Música, Astronomia e mais uma infindável panóplia de temas.

Com ele aprendi a apreciar Wagner, Tchaikovsky, Mozart, Bach, Vangelis, mas também Eugénio de Andrade, Miguel Torga ou Fernando Campos. A lista não acabaria se quisesse ser exaustivo…

Esta pulsão para partilhar e ensinar era por vezes quixotesca. Lembro-me das infinitas vezes que me tentou explicar princípios fundamentais da mecânica, ou até da tão máscula arte do bricolage, sem desistir de tão fraco aprendente nestas matérias como eu era, por muito que me esforçasse por acompanhá-lo. Mas julgam que ele desistia? Jamais. O seu espírito generoso pura e simplesmente ignorava os meus falhanços.

Partilhei com ele desde cedo os dois valores fundamentais pelos quais conduzo a minha vida: a justiça e a verdade. O seu exemplo de vida foi sempre para mim uma inspiração e uma referência, mesmo quando era desconcertante.

O Carlos dizia sempre o que pensava, mesmo quando as convenções sociais não o recomendavam. A verdade tinha de prevalecer, pois então! Era particularmente hilariante quando lhe pediam opinião sobre uma qualquer prenda oferecida por alguém da família numa festa de anos. Se gostava dizia-o entusiasticamente. Se achava horrível dizia-o com o mais desconcertante sorriso nos lábios. Na boca dele, a verdade nunca soava mal. Um talento que nem todos têm…

A justiça manifestou-se ao longo de toda a sua vida, a par com a sua generosidade. Ajudava todos os que o mereciam, e era justamente duro com quem o merecia também. A prova dessa vida de justiça foram as dezenas de colegas e ex-subordinados que se vieram despedir dele. A melhor prova de uma vida de virtude.

A virtude de uma vida vivida por um homem (naturalmente) imperfeito

Significa isto que ele era perfeito? Não. Como todos nós, a sua humanidade residia nas suas virtudes, emolduradas pelos seus inúmeros defeitos. Mas o que fez a diferença é que a tal moldura jamais ofuscou o resto.

Porque a virtude se constrói nos nosso atos, nas nossas opções, mas também nas nossas dúvidas e dificuldades. Quando os valores são fortes, a nossa caminhada é sempre valorosa, por muito tortuoso que o caminho se apresente.

A sua vida foi também um exemplo de amor, dedicação e coragem. Uma vida dedicada à família, aos amigos e à profissão, povoada de afectos e de momentos cheios de boas recordações, mesmo nos tempos difíceis.

Quando a doença o apanhou, aqui há cinco anos, condenando-o a um destino que se avizinhava inevitavelmente curto e excruciante, ele abraçou-o com uma coragem que será sempre para todos nós uma lição de vida.

Por amor aos que lhe eram queridos, ele decidiu viver o inferno na terra para estar mais um pouco junto de nós. Sempre com um sorriso na cara, até ao último minuto. Um sorriso que enchia a casa quando o visitávamos, que nos relembrava sempre como são pouco importantes as coisas mundanas e mesquinhas com que nos irritamos, em comparação com tudo aquilo que a vida nos dá e pelo qual devemos estar gratos.

Estar connosco, ver o neto nascer, sentir o calor da amizade, foram sempre mais importantes para ele que toda a dor e sofrimento que enfrentou.

Para mim, ser herói é isto.

Até já, Carlos. O teu sorriso estará sempre connosco.

Reflexões, Trends

Frustralentos

O talento nem sempre é frustrado pela liderança

Este post surge de uma reflexão que venho fazendo há já algum tempo, e que tem por base a constatação de que tenho escrito e refletido muito sobre o que pode limitar o desenvolvimento do talento na ótica do líder e da sua ação sobre os liderados (como por exemplo, o meu post sobre o efeito Laplace). Todavia, ainda não escrevi rigorosamente nada sobre o que pode frustrar o desenvolvimento do talento a partir do próprio comportamento ou das próprias atitudes dos liderados, ou, noutras palavras, dos próprios talentos.

Ora bem, apesar de ainda não ter feito investigação específica sobre este tema, a verdade é que as mais de duas décadas de prática profissional a identificar e desenvolver talentos me levam a considerar que os fatores frustradores do emergir do talento muitas vezes são da exclusiva responsabilidade dos próprios.

Já um estudo do Corporate Leadership Council de há uns anos atrás tinha apontado nesse sentido. Na verdade, sem uma combinação de capacidade, aspiração e compromisso, dificilmente qualquer aposta num colaborador irá originar retorno significativo…

Qual o trade-off afinal?

Por falar em retorno, importa já agora clarificar o que se pretende de um talento e o que temos (ou devemos ter) para oferecer em troca. Um dos primeiros erros tradicionalmente cometidos passa por acharmos que um talento tem de ascender necessariamente a cargos de gestão ou liderança na empresa. Não poderia haver maior disparate. O layer da gestão é apenas um dos muitos campos onde importa fazer frutificar o talento. Em bom rigor, todos os colaboradores deveriam fazer emergir os talentos relevantes que possuam e que possam colocar ao serviço da criação de valor.

O segundo erro passa por achar que a cenoura do cargo de chefia é universalmente interessante. Não é, pura e simplesmente. Para alguns chega a ser visto como um castigo ou punição. Por muito estranho que pareça, nem toda a gente acha sexy chegar a chefe, diretor ou CEO. Cá para nós que ninguém nos ouve, muitos dos que lá chegaram perceberam (mais tarde ou mais cedo) que há outras coisas bem interessantes e relevantes na vida 😉

O terceiro erro é assumirmos que a identificação ou rotulação de alguém como talento é só por si garantia de que o talento emergirá. Pois bem, não é. Muitas vezes é apenas fonte de perplexidade e frustração para quem identificou o talento e não o viu a emergir como tinha bondosamente antecipado.

Em todos os casos ignorou-se o mais importante: conhecer bem a pessoa, as suas potencialidades e motivações, o seu grau de compromisso com a organização, as suas aspirações imediatas e prazo, de forma a percebermos o que poderemos conseguir dela em termos de desenvolvimento e criação de valor, mas também de forma a entendermos qual a melhor forma de estabelecer um trade-off que terá de ser sempre personalizado: o que a fará verdadeiramente correr, o que é visto pela pessoa como relevante e valioso? Ao que é que esta pessoa atribui realmente significado?

Posto isto percebemos que teremos de ter cuidado com falsos níveis de compromisso e com aspirações desproporcionadas ou divergentes. Quando cruzamos estes fatores de risco com o locus de controle dos colaboradores da nossa equipa, podemos então antecipar potenciais ”frustralentos”, ou seja, atitudes ou posturas que podem tornar pouco recomendável uma aposta demasiado forte numa determinada pessoa ou no mínimo sugerir que devemos ter particular cuidado com a prevenção destes verdadeiros ”vampiros do talento”.

Os principais frustralentos e como lidar com eles

A lista de frustralentos que apresento seguidamente peca necessariamente por incompleta, não exaustiva e carente de confirmação científica, uma vez que resulta apenas da tipificação que fui fazendo ao longo da minha já razoavelmente longa carreira profissional. Muitos frustralentos faltarão catalogar, e deixo desde já o desafio aos leitores para completarem a lista com os vossos contributos e sugestões 🙂

1. Pensamento Mágico: este primeiro frustralento herda o seu nome de uma conceção desenvolvida por Jean Piaget, mas não se confunde com ela. O pensamento mágico piagetiano ocorre durante o desenvolvimento da criança. O pensamento mágico a que me refiro ocorre durante a vida adulta e resulta da conjugação de um locus de controle externo com otimismo. Estamos no fundo a falar de pessoas que assumem perante a vida uma atitude passiva, pois acham que o que condiciona o seu destino não depende essencialmente delas, mas sim de fatores externos, como por exemplo sorte/azar, o que o chefe ou o patrão acham dela ou as decisões que podem tomar sobre ela. Aliado a este locus de controle externo, estas pessoas assumem que “tudo se vai resolver”, “logo se vai encontrar uma solução”, “logo se vê” ou outras construções de pensamento semelhantes. Andam felizes quando corre bem (sorte) e andam tristes quando corre mal (azar). Quando lhes perguntamos o que fizeram para se preparar ou para mudar o cursos dos acontecimentos, as respostas são parcas ou confusas. São colaboradores que podem ter imensos talentos, mas os mesmos podem não chegar a brotar por falta de iniciativa e proatividade. Numa cultura como a lusitana, este perfil floresce, uma vez que a postura de esperar que os outros tratem da nossa vida é o padrão referencial há dezenas de gerações (sobre este tema escrevi em 2008 um artigo chamado “A Pesada Herança de Roma”);

2. Senatorialismo: ou seja, pessoas que assumem uma postura vivencial de senador (ver meu post sobre “Felicidade e Postura Vivencial”). Estas são pessoas que aliam um locus de controle externo a uma visão pessimista dos acontecimentos. São indivíduos que não arriscam, que se limitam pela sua fraca perceção de capacidade não assumida (no fundo acham que não são capazes de se superar, mas o seu ego impede-os de assumirem essa incapacidade) e que explicam a sua estagnação por factos externos como o contexto económico, o contexto empresarial, a crise, etc. Para este tipo de pessoas, é muito frequente grande parte do que se passa de menos positivo ser culpa ou responsabilidade dos políticos , dos chefes ou dos patrões (não necessariamente por esta ordem). Quando se pergunta o que fizeram para mudar a sua vida a resposta tende a ser “… eu bem queria, mas fulano cortou-me as pernas” (o fulano pode ser o chefe, o patrão, o Vítor Gaspar, o Sócrates, etc.). As pessoas talentosas que padeçam desta atitude tendem a achar que o seu chefe ou a sua organização têm a obrigação de saber que são talentosos e que já deviam ter feito algo para os aproveitar, esquecendo que o valor tem de ser percebido pelos outros e que nós temos de ser os primeiros interessados e os primeiros a agir para tal (disto falo no meu post “O Princípio de Schrodinger”);

3. Amante Expectante: o amante expectante é uma espécie de otimista introvertido, ou seja, alguém que privilegia a relação social e procura influenciar o seu destino através da sua capacidade relacional, mas sem ser capaz de ser assertivo porque é um introvertido disfarçado. O facto de ser uma pessoa relacional e de trato socialmente afável é o que sugere a designação de “amante”, pois falamos de alguém com quem é difícil ter uma discussão acesa: têm aversão ao conflito, são conciliadores e muitas vezes podem ser vistos como submissos ou dóceis. São tipicamente pessoas subtis e diplomáticas, que sugerem de forma indireta o que pretendem e ficam na expectativa de que adivinhemos ou compreendamos o que são as suas intenções. Pessoas que têm talentos mas que possuem esta atitude correm o risco de verem uma vida de oportunidades passar-lhes ao lado porque não foram suficientemente diretas ou atrevidas na forma como interagiram com as pessoas verdadeiramente importantes no seu percurso de vida;

4. Estrela Descomprometida: as estrelas descomprometidas são pessoas com forte locus de controle interno, com elevada ambição e forte perceção de capacidade, mas que pura e simplesmente são incapazes de estabelecer um elevado compromisso com as organizações, as equipas ou os seus líderes. São pessoas facilmente tidas como talentosas, que têm condições para singrar e ver os seus talentos brotar e que muitas vezes o conseguem. Todavia, a sua falta de comprometimento com quem investe nelas leva a que sejam muito rapidamente percebidas como “mercenários”, gerando desconfiança e desencorajando o investimento no seu desenvolvimento. São tipicamente pessoas cuja voragem de crescimento aliada a uma falta de perceção do trade-off entre o seu desenvolvimento e os ganhos a proporcionar ao seu “patrocinador” levam a que tenham “saltos quânticos” de visibilidade e desenvolvimento seguidos de longos períodos de estagnação e desinvestimento (por quebra de laços de confiança ou por destruição reputacional).

São estes frustralentos que devemos combater quando pensamos em desenvolver os nossos próprios talentos, sendo que devemos estar atentos a estes sinais quando pensamos em apostar no desenvolvimento do talento de pessoas que trabalham connosco.

Se se lembrarem de mais algum frustralento, façam favor de os sugerir em comentário a este post. Quanto à forma de lidar com os frustralentos, isso fica para o próximo post 😉

Boa reflexão, boas leituras e até breve 😉