Todos resistimos à mudança… porque somos inteligentes
Comecei a escrever este post no primeiro Dia do Pai em que não tenho o meu pai comigo. Esta é uma das muitas mudanças que tenho vivido nos últimos anos, mas é a única que, não querendo que acontecesse, sei que não vale a pena resistir-lhe.
A resistência à mudança é muito mal amada nos dias que correm, especialmente nas organizações, que têm de lidar com a mesma todos os dias a uma velocidade alucinante. Quem faz perguntas difíceis ou quem contesta o caminho é chamado de “resistente” e esse rótulo tem muito frequentemente uma conotação negativa. Esta conotação, costumo eu dizer, é produto de um raciocínio de gestão profundamente preguiçoso…
E isto porquê? Porque resistir à mudança no sentido de questionar o porquê da mudança e no sentido de discutir porque vamos numa direção e não noutra é tipicamente um ato de inteligência humana. Todos os seres humanos, enquanto seres inteligentes seguem um racional económico na hora de fazer opções, ou seja, fazem uma análise comparativa das diversas opções ou alternativas que têm e fazem sempre um balanço entre os potenciais ganhos e as potenciais perdas, tendendo a escolher a opção que maximiza os ganhos e minimiza as perdas.
Todos fazemos isto porque somos inteligentes. E perante uma mudança, é natural que nos questionemos “mudar porquê?” ou “vale a pena mudar?”. Fazer perguntas difíceis é um privilégio dos mais experientes e mais sábios. Se tivermos vinte e poucos anos, acabadinhos de sair da universidade e a entrar no mercado de trabalho, é natural que abracemos qualquer mudança com entusiasmo e menos questões, uma vez que não temos “história para trás”, ou seja, experiência prévia. Só quando vivemos as peripécias da dura realidade do mundo do trabalho é que começamos a ganhar espírito crítico aplicado às vicissitudes organizacionais.
E por isso ter experiência profissional desde cedo é um ativo muito valioso para qualquer jovem. A minha enteada, que começou a trabalhar no segundo ano da universidade, tem um espírito crítico e uma capacidade de questionar o que lhe apresentam que fazem dela um ser humano mais observador, acutilante e profissionalmente versátil. Ao pé dela, os seus colegas de curso que não trabalham são um grupo de jovens embaraçosamente “atados”, embora intelectualmente dotados. Porque o pensamento crítico, a capacidade de resolução de problemas e a resiliência são fruto de uma maturidade que só vem com a experiência.
Bem, após este longo parêntesis para elogiar a minha enteada, voltemos ao cerne da questão: quando ouvimos dizer que os mais velhos são resistentes à mudança e a isso associamos uma conotação negativa, a verdade é que estamos perante um viés cognitivo, uma vez que associamos o grau de resistência à idade (o que não é verdade, pois na melhor das hipóteses um maior nível de exigência no questionamento da mudança pode estar associado à experiência), e também porque associamos a ideia do resistente a alguém que “não colabora”. E a verdade é que questionar não é um ato de sabotagem, mas sim uma manifestação de interesse!
Quem resiste interessa-se
Costumo fazer a analogia com aquilo que ensino a tantas equipas comerciais: um cliente que reclama é um amigo! E porquê? Porque alguém que se dá ao trabalho de reclamar é alguém que está interessado em que melhoremos. É alguém que não desistiu de nós, ou que, à beira de desistir, lança um pedido de ajuda (a reclamação), de forma a que lhe demos uma razão para não desistir de nós. É alguém que nos dá feedback sobre o que está mal e se interessa o suficiente para estar incomodado por não fazermos melhor. E isto é uma das muitas coisas que os amigos fazem por nós…
Logo, um colaborador que questiona a mudança, que reclama porque não entende os seus benefícios, também é um amigo. Um colaborador que questiona e discute o porquê da mudança é alguém que se preocupa com a organização, que se interessa, que fica incomodado se sentir que a organização pode não estar a ir por bom caminho ou está apenas a desperdiçar tempo e energia para ficar tudo na mesma. O resistente interessa-se, logo não é um alvo a abater, um incómodo ou um estorvo.
Um resistente é, por definição, um “grilo falante” da mudança e um potencial “campeão” dessa mesma mudança. Sim, ele não compra a mudança barata, mas quando a compra, é um dos mais entusiásticos agentes da mudança. E quantas vezes eu vi isto acontecer nos últimos 35 anos da minha vida profissional…
Tudo começa com a compreensão do porquê da mudança. Explicar porque a mudança acontece e o que ganhamos com isso, de forma transparente e verdadeira, não omitindo o que possam ser as dificuldades que enfrentaremos quando a mudança começar a acontecer são o primeiro passo para transformar um resistente num campeão da mudança. Costumo dizer que um resistente é um interessado com pouca informação. Quando entende o porquê das coisas, e se elas fizerem de facto sentido, tende a tornar-se num entusiasta.
A primeira ferramenta para facilitar a mudança
Comunicar é pois a palavra chave, o que implica aquilo a que eu chamo a tríade sagrada da comunicação da mudança: os três F!!! E o que são estes três F? Passo a explicar:
- Formação – quando falamos em explicar o porquê da mudança, não podemos ficar-nos por informar. Passar a informação é importante, mas não é suficiente. Os colaboradores são quem vai fazer a mudança acontecer, o que significa que eles têm de ter as capacidades necessárias para efetuar a mudança. Portanto falamos de informar mas também de capacitar. Por isso é mais claro e abrangente falarmos de formar, o primeiro F desta tríade sagrada;
- Feedback – a mudança acontece num contínuo temporal, o que significa que não basta explicar mudança no início. Mudar implica esforço e mudança de hábitos, o que requer que alimentemos a motivação e o incentivo para as pessoas se manterem no caminho da mudança. Por isso mesmo, dar feedback sobre como está a mudança a acontecer, quais os progressos, quais as dificuldades e contratempos é uma forma de manter os colaboradores envolvidos. Por isso o segundo F desta tríade;
- Festa – a vontade de cada um de nós manter o esforço que a mudança implica tende a ser reforçada quando celebramos as pequenas conquistas, os progressos diários mas também os grandes ganhos. Celebrar o que conseguimos com a mudança é algo que deve ser sempre feito, e nunca de forma envergonhada. Os ganhos da mudança devem ser motivo de orgulho, e por isso mesmo, de festa. O terceiro F da tríade sagrada…
Quando alimentamos o conhecimento dos colaboradores através do triplo F, estamos a dar-lhes algo que em Psicologia chamamos de “sense of Progress” (soP). O sentido de progresso é uma das necessidades primordiais de qualquer ser humano. Todos nós precisamos de sentir que estamos a ir para algum lado significativo e que estamos a evoluir, pelo que alimentar este sentido de progresso é uma das formas de alimentar a energia vital de nos motiva a agir e que nos entusiasma.
Nem só de resistentes e campeões é feita a mudança
Começámos por falar dos resistentes e da sua jornada de transformação para se tornarem em campeões da mudança. Um resistente, como vimos, não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade. Mas o verdadeiro problema não reside nos que se interessam: reside, isso sim, nos que não se interessam.
Os colaboradores que não estão comprometidos com a organização, a quem é indiferente se a organização prospera ou não, esses são o verdadeiro problema. São aqueles com vínculos fracos, ou mesmo com o contrato psicológico comprometido: aqueles a quem eu chamo os MINSD (os que andam a fazer o Mínimo Indispensável para Não Serem Despedidos). Para mais detalhes sobre o que é um estado MINSD sugiro de um post meu de há uns anos: PPE: Potencial Por Explorar ou como evitar o “efeito MINSD”.
Quantos temos colaboradores desinteressados, eles podem classificar-se em duas categorias:
- Desligados – aqueles que não se interessam e têm pouco conhecimento sobre a mudança. Não se interessam, não se envolvem e passam a vida a dizer mal da mudança e de quem a protagoniza, invocando aquilo a que eu chamo o síndroma do “not invented here…”, que se pode detetar quando ouvimos comentários deste género: “vieram para aqui estes tipos de fato e gravata da consultora X, fizeram um powerpoint todo bonito e agora propuseram este bacalhau com asas sem falar com quem trabalha com isto todos os dias… um desperdício de dinheiro, é o que é!!!”. E a dura verdade é que em muitos casos o comentário tem a sua razão de ser… e pode ser a explicação para a falta de interesse de alguns colaboradores;
- Seguidores – aqueles que não se interessam e já têm conhecimento sobre a mudança são aqueles que não aderem à mudança e limitam-se a serem seguidores passivos. Quanto maior o seu conhecimento mais opinam, mas pouco se empenham em fazer a mudança acontecer, porque não a sentem sua. Também eles vítimas do “s.N.I.H” (síndroma do “not invented here…”), tenderão ser os chamados “treinadores de bancada” que alimentam os circuitos informais da organização (comummente conhecidos como “radio-alcatifa”) com uma narrativa de desencorajamento da mudança.
Tendo identificados os quatro posicionamentos possíveis face à mudança, resta perceber como trazemos os desinteressados para o processo, fazendo deles entusiastas…
Ninguém se interessa se não for chamado a participar…
Costumo explicar nas minhas aulas que os seres humanos tendem a não rejeitar o que, no todo ou em parte, foi por si produzido. A verdade é que todos desenvolvemos laços afetivos com as nossas produções, as nossas criações. A isto chamo eu o P.P.P. – Princípio da Paternidade da Produção, que explica porque é que uma gestão participativa leva tendencialmente a um nível de engagement superior dos colaboradores.
Quando pedimos o contributo dos membros das nossas equipas sobre como pode ser desenhada a mudança, ou então sobre como podemos implementar a mudança, estamos a dar na possibilidade de cada um poder participar no processo, dando a sua “pincelada” na mudança. E mesmo que não possamos adotar todas as sugestões da equipa, a verdade é que o facto de terem tido o espaço para serem ouvidos os levou a apropriarem-se do processo. A mudança passou a ser um pedacinho deles, em vez de ser a “mudança daqueles tipos”. E por isso podemos dizer que a adesão implica participação.
Só com a participação conseguimos alimentar mais uma vez duas necessidades primordiais da natureza humana: relevância e visibilidade. Todos os seres humanos precisam de sentir que de alguma forma fazem a diferença e que por isso são apreciados pelos outros (porque todos somos seres sociais). E com isto envolvemo-nos e entusiasmamo-nos: ou seja, ficamos verdadeiramente comprometidos.
Quando fazemos isto alimentamos aquilo que em Psicologia chamamos o “sense of Control” (soC), ou seja o sentido de controlo dos acontecimentos, porque sentimos que de algum modo os influenciamos, fazendo aquilo que está ao nosso alcance para fazer a diferença.
E com estas duas ferramentas (comunicação com triplo F e gestão participativa) ficamos com a nossa mochila apetrechada das ferramentas necessárias para lidar com a mudança. Não desdenhemos os resistentes, porque eles são nossos amigos e podemos fazer deles campeões. Não tenhamos vergonha de resistir à mudança (é normal, é sinal de inteligência e é sinal de que queremos participar). Transformemos esse questionamento em informação e procuremos fazer a diferença com o nosso contributo.
Sugiro, em complemento a este post, um artigo por mim escrito há uns anos na revista Prémio – Gestão da Mudança, bem como um artigo muito interessante da Harvard Business Review – Change Is Hard. Here’s How to Make It Less Painful.
Termino este texto quando faz exatamente seis meses que o meu pai me deixou. Curiosamente, ele não está cá mas continua sempre comigo. Eis uma mudança a que ele resiste, e que eu agradeço todos os dias. És um resistente, meu pai. E seguramente o meu melhor amigo. Sempre.