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Liderar remotamente: mitos e realidades

Tempos inimagináveis de medo e de incerteza

Vivemos há mais de um ano numa espécie de vida entre parêntesis, em que muitos dos nossos hábitos e rituais, que determinam a nossa cultura e identidade, tiveram de ser substituídos à força por outros hábitos e rituais, estranhos e despersonalizados, em que o toque humano foi obliterado da nossa vida por imperativos de sobrevivência.

Olhamos para as notícias e deparamo-nos com cenários que evoluem de dia para dia, muitas vezes de forma inesperada e a uma velocidade antes inimaginável. Sentimos que vivemos rodeados de incerteza, de ambiguidade e de perigo, um perigo invisível que nos tolhe na nossa humanidade nos mais pequenos gestos. O medo passou a fazer parte do nosso quotidiano.

Estamos carentes de calor humano, e damos por nós a perder a memória de como ele se dá aos outros num quotidiano descontraído… interrogamo-nos por vezes se iremos alguma vez voltar a abraçar alguém sem medo. A falta de calor humano enche-nos de angústia.

E é neste quadro que muitas vezes ouço dizer o quão difícil é liderar nestes tempos, em que as pessoas e as equipas estão na sua grande maioria a trabalhar remotamente. “Como posso motivar pessoas à distância?”, perguntam-me… “Como posso garantir que são produtivos se estão longe de mim?”, outra pergunta que frequentemente me fazem. “Tenho de aguentar e esperar que a pandemia passe para ser o líder que gostava de ser…”, desabafam.

Apesar de ser uma constatação corrente, gostaria de partilhar convosco a minha experiência nesta área. E permitam-me começar por vos dizer que discordo totalmente deste “baixar de braços” face às adversidades que vivemos.

It’s about people, not presence

Boa parte destas dúvidas é perfeitamente razoável, mas parte de uma premissa a meu entender errada.

A produtividade e a motivação não têm a ver com a presença física, mas sim com a proximidade, que são coisas completamente diferentes. É muito curioso constatar que antes da pandemia muitos líderes a quem eu faço coaching costumavam dizer-me que não tinham tempo para serem melhores líderes. “Eu gostava muito de aperfeiçoar a minha liderança junto das minhas pessoas, mas tenho tanta coisa para fazer que nunca tenho tempo para o fazer… quando as coisas acalmarem vou melhorar a minha liderança!”, ouvi eu vezes sem conta…

Ora bem, este desabafo tão comum em líderes muito bem intencionados, mais não era que um equívoco gerado por aquilo a que eu chamo a ilusão da conveniência. E no que consiste a ilusão da conveniência? No efeito procrastinador resultante de darmos as pessoas e a sua presença física como um dado adquirido. É tão conveniente que nos relaxa inadvertidamente!

Eu preciso de dar feedback ao meu melhor vendedor, e tenciono fazê-lo já na segunda-feira de manhã… mas chego ao fim do dia nessa segunda-feira e tive tantas reuniões e calls e interrupções para gerir que acabei por não ter tempo de o chamar à parte e conversar com ele… agora já não tenho energia e acabo por deixar para amanhã (afinal ele está aqui mesmo “à mão”). E terça-feira começo o dia com a intenção de conversar com ele e a história repete-se, indefinidamente.

O facto de ter os colaboradores no mesmo espaço físico que eu cria-me a ilusão de que será mais fácil desenvolver uma liderança próxima, mas a verdade é que a questão não tem a ver com a presença física, mas sim com a minha determinação em estar próximo, mesmo que à distância… Confusos? Passo a explicar já a seguir…

Muitos dos líderes que se queixavam que não tinham tempo para fazer uma liderança próxima por falta de tempo, deram por si, de forma intuitiva, a desenvolver em tempos de pandemia uma liderança muito mais próxima, por muito paradoxal que isto pareça… o que se passou? Simples, as pessoas deixaram de ser algo que estava convenientemente “à mão” para passarem a ser algo que eu tenho de gerir à distância de uma webcam, um microfone e um teclado, ou mesmo de um smartphone. E o que parecia abundante e conveniente passou a ser escasso e aparentemente mais difícil de aceder.

Essa perceção de que tinham perdido a proximidade às pessoas levou a que procurassem compensar de alguma forma essa perda com um estreitar dos ciclos de acompanhamento e orientação. Subitamente, líderes que iam liderando a equipa através de interações casuais e não programadas, por vezes a ciclos longos e irregulares, deram por si a sentir a necessidade de desenvolver rituais de partilha e pontos de situação a ciclo curto e regular (uns semanalmente, outros até diariamente). E desta forma, líderes que antes não tinham tempo para acompanhar as suas equipas, deram por si a ter tempo para o fazer.

Foi o tempo que mudou? Não. Foram as suas cabeças. E a prioridade que a gestão das pessoas tinha no fluxo de trabalho quotidiano. A interação humana passou a ser um parente rico da gestão.

Ainda assim há preocupações que fazem sentido e outras não. Vejamos então cada uma delas…

Não tem a ver com presença, mas sim com energia

Liderar remotamente não é mais difícil por ser mais difícil motivar pessoas à distância. Isto é uma falsa questão. Quem tinha dificuldades em motivar pessoas presencialmente continuará a ter essa dificuldade remotamente e quem as motivava de forma poderosa presencialmente continuou a fazê-lo à distância. Porque motivar tem a ver com ativar a energia de cada um através de um propósito inspirador, uma visão de futuro mobilizadora, objetivos poderosos, uma distribuição de trabalho aproveitando os talentos de cada um e o dar feedback de qualidade. E tudo isso pode ser feito presencialmente ou à distância.

Liderar remotamente não é mais difícil por ser mais complicado garantir que as pessoas são produtivas à distância. Mais uma vez essa é uma falsa questão, gerada pelo síndroma do presenteísmo. Sobre este fenómeno falei no meu último post “Aprendizagens em tempos inimagináveis”, recordando que temos de passar do paradigma tradicional da supervisão e controlo para o novo paradigma da liberdade e da responsabilização. Temos de passar a liderar estabelecendo metas e entregáveis e pedindo contas pelos resultados, pela qualidade dos mesmos e pelo cumprimento dos prazos, e não tanto verificando onde e quando o trabalho foi feito. Se dermos essa flexibilidade aos nossos colaboradores, eles tenderão a retribuir com mais disponibilidade e dedicação.

Não tem pois a ver com presença, mas sim com energia! Que energia é que transmitimos à equipa?

Então porque é que liderar remotamente é mais difícil (porque de facto parece ser, não é?)? Porque não basta ter uma liderança mais próxima, com momentos de partilha e de ponto de situação a ciclo mais curto. Também o conteúdo dessa partilha tem de ser ajustado.

Porquê? Porque nos falta hoje em dia a “dimensão humana” das interações informais no trabalho. Hoje, sem darmos por isso, estamos permanentemente em reuniões de trabalho, seja por Zoom, por Teams, por Skype, por Webex ou por qualquer outra plataforma. Imaginem o que seria a nossa vida antes da pandemia se estivéssemos sempre em reunião, sem conseguir sair da sala… infernal, não seria?

E seria infernal porque não teríamos tempo para aquela pequena conversa no corredor com o colega com quem precisávamos de “trocar umas ideias”, ou para aquela conversa tonta sobre banalidades da vida naquele café descontraído na copa, ou mesmo para aquele pequeno gesto de incentivo quando nos cruzávamos com um colega mais tristonho.

Foi isso que perdemos. Essa “cola emocional” que nos alimenta de energia e nos mantém juntos, para além das interações formais de trabalho. E sim, são esses momentos que temos de alguma forma de garantir que continuam a acontecer mesmo à distância.

Por isso mesmo vi alguns líderes a ter ideias originais para promover esses momentos, como por exemplo os “Happy 5 Minutes”, um ritual em que os primeiros 5 minutos de qualquer reunião são dedicados a contar um episódio pessoal engraçado ou uma curiosidade sobre algum dos participantes da reunião.

Uma forma de resgatar a nossa humanidade, de nos fazer sorrir, mesmo à distância.

Liderar à distância é afinal mais difícil? Muitas vezes parece, mas se calhar não é. É apenas diferente…

Deixo-vos por fim um pequeno vídeo com 5 conselhos sobre como gerir equipas remotamente. Enjoy it!

Recomendações, Reflexões, Trends

A Liderança e a Mentira Auto Induzida

3133347219_4c16658dd5Surge este post da leitura de um artigo brilhante escrito pelo não menos brilhante Miguel Pina e Cunha no Jornal de Negócios, sob o título “Líderes infiltrados – na realidade das suas empresas“.

Neste artigo o Miguel foca algo a que eu chamo a Mentira Auto Induzida, e que mais não é do que o risco de dissonância cognitiva que os líderes sofrem sempre que se isolam e deixam de “andar no terreno”.

A verdade é que quando assumimos funções de liderança a nossa vida muda. Radicalmente e para sempre.

E uma das facetas dessa mudança é o aumento exponencial de solicitações de todo o tipo. Desde o número infindável de reuniões para as quais somos solicitados, para o número imenso de reports de todo o género que temos de produzir, mais as solicitações de colaboradores, superiores hierárquicos, pares, clientes, etc., há para todos os gostos: é só escolher 🙂

Perante esta parafernália de “comedores de tempo”, os líderes tendem a sentir que não têm tempo para fazer coisas aparentemente básicas, como por exemplo falar com as suas pessoas, pensar no desenvolvimento da sua equipa, manter-se a par das expectativas e aspirações dos membros da sua equipa, saber como o trabalho está a correr, apoiar e dar coaching aos colaboradores, etc.

Como há tanto que fazer, é fácil deixar estas coisas para “quando houver tempo”. Pois bem, comecemos pelas más notícias: nunca mais vai haver tempo! Por isso, é melhor ir decidindo começar a fazer estas coisas já! Não tudo de uma vez. Mas um pouco todos os dias.

Porquê? Porque se um líder não fizer isto com regularidade, torna-se a ele mesmo cego e surdo à realidade, por falta de contacto com a mesma.

Por muito que achemos que somos perspicazes e observadores, há sempre imensa coisa a passar-se à nossa volta, factos relevantes para a boa condução da equipa, que serão absolutamente invisíveis para nós, e que nos passarão completamente ao lado, comprometendo a qualidade das nossas decisões sobre a equipa.

Quando damos por nós, corremos o risco de ter uma ideia da equipa que é uma pura idealização, ou seja, não o que a equipa é mas sim aquilo que eu gostaria que fosse. Esta imagem artificialmente criada pelas minhas crenças sobre a equipa e não sobre factos (porque não tive tempo de me cruzar com os mesmos factos) tende a ser uma imagem que me deixa confortável, mas nem sempre corresponde à realidade.

Quando isso acontece, estamos perante uma Mentira Auto Induzida (ou seja, estamos a enganar-nos a nós próprios).

Isto não só prejudica a qualidade das nossas decisões, como mina a nossa autoridade informal, ou seja, o respeito e o compromisso dos nossos liderados, dos membros da nossa equipa, que passam a olhar para nós como alguém que “não está nem aí”, que está desligado da realidade. E quando isso acontece, é muito difícil recuperar a credibilidade…

Como combatemos isso? De duas formas:

  1. Colocando no topo das prioridades o “contacto com as tropas”, arranjando mesmo tempo para, periodicamente, estar com as pessoas da equipa e falar com elas, para lá do convencional “tudo bem?”;
  2. Criando um clima de positividade e abertura, em que as pessoas não tenham medo de nos pedir ajuda, de nos contar as dificuldades ou os problemas que enfrentam e mesmo os erros que cometeram. Se forem os colaboradores a tomar a iniciativa de vir falar connosco, poupam-nos imenso tempo e trabalho. E por isso é tão importante ter tempo para os ouvir…

Estas duas táticas devem ser aplicadas numa base quotidiana, inclusive para combater a Distância Auto Induzida, que é uma maleita que afeta tanta gente de tantas equipas. Esta maleita consiste na crença de que “não podemos dizer tudo o que queremos ao nosso chefe, pois ele pode zangar-se connosco e isso pode ser mau para nós“.

Diz-me a experiência que esta convicção é tão profunda na cultura portuguesa que já incorpora as verdades do senso comum, sendo um dos meus trabalhos diários contrariar esta falsa verdade apriorística que tanta gente tem. Mas isso só se faz dando um exemplo irrepreensível, que liberte as pessoas do medo e da incerteza.

Porque um tipo lá por se ter tornado chefe não deixou de ser o mesmo tipo, com as forças e fraquezas que tinha antes, com as virtudes e defeitos que sempre teve, com as chatices e preocupações da vida doméstica, com filhos, dores de barriga e outras coisas da vida normal. Um chefe não é um tipo que ascendeu a uma espécie de Olimpo dos Chefes, em que passou a ter carta branca para não trabalhar, calçar umas pantufas e fumar uns charutos.

Não, na maioria dos casos passou a ter mais trabalho, mais preocupações e menos tempo. Que só são compensadas quando o exercício da liderança é bem feito, e é sentido como uma vocação e uma missão.

Porque liderar é muito mais dar do que receber. É muito mais servir os outros e não ser servido pelos outros. Assim nunca nos esqueçamos disto…

Deixo-vos com um fantástico vídeo do Stanley McChrisystal, que numa TED Talk nos explica como se lidera ouvindo e ensinando… nas forças armadas!

Enjoy it 😉

Reflexões, Trends

Liderança Moral: o oxigénio do talento

Surge este novo post de uma leitura muito interessante e refrescante, da autoria de Paul Lawrence, intitulada “Moral Leadership as Shaped by Human Evolution“, e que foi publicada no excelente site de blogs da Harvard Business Review.

Neste texto, Paul Lawrence compara a liderança actual com a evolução humana, que fez com que a nossa espécie evoluísse para lá dos guidelines básicos de sobrevivência (obtenção de recursos e defesa dos mesmos), adoptando dois drives essenciais para o progresso:

  1. Fundar a cooperação na confiança em outras pessoas, estabelecendo relações de longo-prazo;
  2. Compreender e moldar o meio envolvente, através dos actos de aprender e criar.

Em todo o nosso mundo, só o nosso complexo cérebro consegue desenvolver estas duas valências, que nos elevam a um patamar civilizacional certamente superior.

O estudo da prática de líderes bem sucedidos tem assim comprovado que as suas decisões, as suas condutas e a sua prestação em geral assentam nestes 4 eixos de actuação, de forma equilibrada e consistente:

  1. Obter riqueza
  2. Defender a integridade dos seus
  3. Cooperar com base na confiança
  4. Aprender e criar com os outros

A aplicação destes 4 princípios à liderança baseia-se na chamada Golden Rule, também chamada de regra de reciprocidade: na prática, não esquecermos de tratar os outros como gostaríamos que nos tratassem a nós (tendo em conta que os seres humanos tendem a retribuir os comportamentos a que foram sujeitos).

Desta forma, Paul Lawrence sistematiza 7 regras de ouro da liderança moral:

  1. Cumprir intransigentemente com o prometido, não falhando com a palavra dada;
  2. Procurar negócios e acordos justos (win-win), em vez de ganhar a qualquer preço;
  3. Dizer a verdade, em qualquer circunstância;
  4. Partilhar conhecimento, em vez de o coleccionar só para nós;
  5. Respeitar as crenças e convicções dos outros, mesmo quando discordamos;
  6. Ajudar a proteger (também) os interesse dos outros;
  7. Denunciar e punir os mentirosos/desonestos.

Parece simples, não é? Mas quem pratica estas 7 regras de facto, enquanto líder?

Seremos ainda poucos concerteza, por via dos preconceitos educacionais (cf. meu artigo “A Pesada Herança de Roma“), ou por via do preconceito neo-marxista nas relações de trabalho (cf. meu post “Marx e o Talento“).

Diz-me todavia a experiência que a prática desta disciplina de liderança moral gera resultados exponencialmente melhores, pois tende a gerar nos colaboradores níveis de commitment elevados e níveis de qualidade superiores. Paul Lawrence afirma inclusive (e eu concordo plenamente!) que o segredo está em desenvolver esta prática a 360º, ou seja, abrangendo todos os stakeholders!

Na prática, a liderança moral a 360º gera um ciclo virtuoso global e sustentável, que potencia uma fórmula de sucesso capaz de ajudar a gerir as organizações nestes tempos de crise (cf. meu artigo “Gerir em Tempos de Crise“).

Deixo-vos ainda um interessante vídeo sobre “followership”, peça indispensável de um bom exercício de liderança  (cf. meu post sobre “seguidança“):