Livre-arbítrio, Reflexões

Nós somos as pessoas que escolhemos

Estamos sempre a aprender com a vida


Dou por mim a escrever este post num quente final de noite em Évora, ao som de bom jazz e música brasileira, na véspera de uma aula de Liderança dada no Master in Finance da Católica Lisbon, depois de um dia de trabalho passado no Alentejo a trabalhar para um dos meus clientes preferidos.

É curioso como pouco antes da meia-noite ainda me sinto com energia para escrever. Talvez porque a escrita, à semelhança do acto de ensinar, me acalma, me realiza, me regenera. É pois uma das minhas ferramentas de resiliência, que me devolvem um senso de propósito e sentido neste mundo louco, emocionante e veloz que vivemos hoje.

Na verdade, ando para escrever este post há meses, mas a perda da minha mãe levou a que o atrasasse significativamente. Foi maturando, qual um bom vinho, num Moleskine que me acompanha sempre, onde escrevo notas soltas a carvão sobre ideias e onde intercalo alguns esboços e cartoons que me vai dando para fazer. Mais uma ferramenta de restituição de sanidade 😉

Este post dá continuação ao meu post “Nós somos o caminho que fazemos“, onde defendia que o livre-arbítrio pode conviver com a transcendência, por via atribuição de significado. Usei a Teoria do Gato de Schrodinger e a Teoria do Caos e o Efeito Borboleta para o explicar. Mas o que faltou dizer nesse post é que a realidade, como sempre, demonstra ser um pouco mais complexa que qualquer modelo teórico.

O que aprendi neste período de regeneração pessoal, que foi feito de muitas realizações, mas também de desilusões profundas, é que nós somos o produto do que nós decidimos ser com os outros que nos calham em sorte. Confusos? Passo a explicar.

A premissa por detrás desta reflexão foi a constatação de que nós somos o produto das nossas co-criações. Sim, porque o ser humano tipicamente co-cria, uma vez que é um ser social. Por isso mesmo, aquilo que somos e aquilo que fazemos é sempre produto daquilo que decidimos fazer com as interacções que vamos tendo com os outros seres humanos com que nos cruzamos nas nossas vidas.

Por isso os nossos pais sempre insistiram naquela máxima de termos “cuidado com as companhias”. É absolutamente verdade, uma vez que aquilo que somos e fazemos é permanentemente afectado e transformado pelos outros de que nos rodeamos, por aquilo que fazemos com eles, pelos significados comuns que atribuímos a acontecimentos e realizações, pela troca de ideias and so on and so on and so on….

Logo, a interacção com os outros é transformadora da nossa performance e do nosso ser, tal como é transformadora da performance alheia e do ser alheio. Este é verdadeiramente o poder do ser humano. O poder da co-criação.

Nesta dinâmica, um dos segredos para termos sucesso (e o que significa sucesso ficará para outro post) é escolhermos bem com quem interagimos. Há pessoas que nos sugam a energia e nos empurram para baixo e há pessoas que nos enchem de energia e nos empurram para cima. E por muito que queiramos ser simpáticos com toda a gente não podemos interagir da mesma forma com pessoas diferentes.

A nossa jornada é demasiado importante para que não conheçamos bem os tipos de caminhantes com que podemos estar a fazê-las. Por isso dei por mim a classificar as pessoas com quem me cruzo em 4 tipos diferentes.

Os 4 Walker Types

Após alguns anos de reflexão e crítica retrospectiva, dei por mim a encontrar tipicamente 4 tipos de pessoas com quem me cruzei. O racional de caracterização das diversas tipologias passa pela sua predisposição para a dádiva e pela sua propensão para a dependência.

Comecemos pelos Transeuntes.

Este tipo de pessoa tende a cruzar-se connosco de forma superficial e pouco significativa. Faz parte do grupo de “conhecidos”, com quem convivemos pontualmente em algumas ocasiões sociais, mas com os quais não tivemos interacções impactantes, seja ao nível das comunalidades seja ao nível das diferenças ou das complementaridades. Tendem a ser quase “invisíveis” para nós, sendo até difícil às vezes recordar os seus nomes, o que não significa sequer que antipatizemos com eles. Significa apenas que não nos captaram a atenção lorque não nos pediram nada de especial mas também não nos deram nada de importante. São neutros, portanto. Com os mesmos há que polidamente gastar o mínimo de tempo possível ou tentar descobrir se algum pode evoluir para outro tipo de tipologia.

Passemos aos Dependentes.

Os dependentes são pessoas que nos pedem ajuda e em parte se definem pela ajuda que vão obtendo dos outros. Os actos de co-criação são assim desequilibrados, pois não são baseados numa interacção mutuamente proveitosa, mas sim num conjunto de interacções que revelam dependência, ou seja, muito para pedir e nada ou muito pouco para dar.
Muitas vezes damos por nós a querer ajudar um dependente de forma generosa e desinteressada e constatamos que passámos a ficar afogados em pedidos, solicitações, vendo o nosso tempo a ser consumido por alguém que nos puxa cada vez mais para baixo com a sua dependência e que não nos faz crescer, não nos ensina nada, e muitas vezes nem agradece. É uma troca de soma negativa, na prática. Com estes há que ser firme e libertar-nos da relação de dependência, pois são os nossos sugadores de energia por excelência. Há que ter particular cuidado, pois muitas vezes surgem-nos como “falsos transacionais” (tipologia seguinte).
Vejamos agora os Transacionais.

Os transacionais são co-criadores equilibrados por excelência. Estabelecem connosco uma relação nutritiva, ou seja, tanto nos dão aprendizagens, colaboração, amizade, tempo, conselhos, confidências, sugestões, ideias, ajuda (e tantas outras coisas), como nos pedem naturalmente que façamos o mesmo por eles.

A troca (ou transacção) surge como natural, não imposta, espontânea, feita com base no princípio da reciprocidade. É neste tipo de tipologia que encontramos verdadeiros amigos, que nos ajudam desinteressadamente, o que não significa que não tenhamos o dever de fazer o mesmo por eles. Mas esse dever não custa, porque não há melhor recompensa do que a dádiva 😉

Devemos rodear-nos deste tipo de walkers o mais possível, pois é com eles que a jornada é proveitosa. E será ainda mais se de vez em quando tivermos a sorte de nos cruzar com o último tipo de walker…

Concluamos então com os Generativos.

Os generativos são walkers mais raros, mas muito valiosos e relevantes na nossa vida.

Tendem a ser pessoas mais maduras e sábias que nós, que de forma natural nos dão o muito que têm para dar (ensinamentos, conhecimento, conselho, compreensão, exigência, e muitas outras coisas), mas de uma forma generativa, ou seja, como uma espécie de dádiva que é suficientemente recompensadora se se limitar a ser apreciada e aproveitada por nós. Estas pessoas não tendem a pedir-nos nada em troca pura e simplesmente porque, na maioria dos casos, não precisam.

Surgem na nossa vida como mentores, professores, conselheiros, líderes ou “older buddies”, cuja companhia e amizade devemos cultivar, sem cair no erro de nos tornarmos dependentes.

E vós, sabem com que tipo de walkers têm feito a vossa caminhada?

Deixo-vos com um vídeo sobre o poder da dádiva. Enjoy 😉

Reflexões

Felicidade e Postura Vivencial

O emergir de uma ideia

Hoje, ao refletir sobre a história de vida de uma pessoa que me é próxima, ocorreu-me uma ideia que deu origem a um conceito que ainda não tinha operacionalizado, apesar de trabalhar com ele há já vários anos em executive e life coaching: o conceito de postura vivencial.

De facto, ao longo de muitos anos de aconselhamento e coaching aos mais variados tipos de indivíduos, acabei por me confrontar com padrões de atitude face à vida que posso hoje sistematizar numa framework tipológica que nos ajuda a compreender como o nosso software mental se organiza face a um par de variáveis muito relevantes para a nossa felicidade.

Essas variáveis são o locus de controle e a autenticidade. Deixem-me explicar sinteticamente no que cada um deles consiste.

postura vivencial em esquema

O locus de controle diz fundamentalmente respeito à forma como vemos aquilo que nos acontece e os respetivos nexos de causalidade. Quem tende a ter um locus de controle externo tende a explicar os factos que determinam o curso da sua vida através essencialmente de agentes externos e não da sua vontade, o que leva a uma postura passiva face à gestão da sua própria vida, da sua carreira e até das suas relações, afetos e do seu crescimento e desenvolvimento pessoal. Este tipo de pessoas usam geralmente uma narrativa que recorre ao verbo condicional e a muitas referências externas do tipo “se me saísse o Totoloto”, “se eu tivesse tido sorte na vida”, “se o País tivesse um Governo competente”, em que as causas de tudo estão sempre fora do seu controlo.

Quem tende a ter um locus de controle interno tende a explicar os factos que impactam no curso da sua vida essencialmente através da sua vontade e não de nenhuma entidade externa, que leva a uma maior proatividade face à sua gestão de vida, o seu desenvolvimento de carreira e mais uma vez dos afetos e das aprendizagens. As pessoas que se enquadram nesta tipologia usam geralmente um discurso que recorre aos verbos de ação e a muitas referências na primeira pessoa do singular do tipo “como fiz isto, consegui aquilo”, “tenho de aprender isto para alcançar aquilo” ou “isto é o que temos de fazer para alcançarmos esta meta”, em que as consequências derivadas dos acontecimentos da vida estão dependentes do que estejam dispostas a fazer por elas.

Sobre esta tendência tipológica e seus antecedentes culturais já escrevi em 2008 no meu artigo “A Pesada Herança de Roma”.

Já a autenticidade tem um enquadramento menos estruturado pelos seus antecedentes teóricos ou conceptuais, e é produto da minha reflexão pessoal. Para ter uma mínima base de fundamentação (teimosia de investigador!), procurei sustentar o meu conceito em algum tipo de fonte. Ao fim de 3 breves minutos de pesquisa na net, encontrei um pequeno post do blog Psichology Today, sob o título “Does Authenticity Lead to Happiness?”, que me deu algum conforto: afinal o conceito que eu desenvolvi parece fazer algum sentido 🙂

A autenticidade tem a ver com autoconhecimento, com a maturidade necessária para sabermos aquilo a que aspiramos, aquilo que verdadeiramente nos motiva e desejamos, e com a coragem de o assumir e ter uma vida coerente e consequente com essas aspirações. Falo de coragem porque nem sempre tal é fácil de descobrir e muitas, mas mesmo muuuitas vezes é extremamente difícil de praticar. Um dos principais fatores de constrangimento são as convenções sociais e as expetativas dos que nos são próximos. Quantas e quantas vezes damos por nós a viver não a nossa vida mas sim a vida que os nossos pais quiseram que nós vivêssemos… e tal acontece na maioria dos casos sem que ninguém se aperceba ou deseje conscientemente essa imposição. Na maioria das situações que conheci, essa imposição foi aliás auto induzida. Pois é… a nossa mente prega-nos partidas.

Mas a desejabilidade social não acontece só através dos pais, que são as figuras parentais clássicas. As expetativas de professores, amigos, colegas, chefes, patrões, entre tantos outros levam a que muitas vezes escolhamos profissões que não nos realizam, estilos de vida que não nos preenchem, modelos de relacionamento familiar que nada nos dizem ou afetos que se revelaram um entusiasmo juvenil. Um exemplo do qual nunca me esqueço foi o de uma antiga aluna minha de licenciatura que se apresentou na minha primeira aula dizendo “Eu estou aqui porque o meu pai me obrigou a tirar o curso de Gestão. Assim que acabar e tiver dinheiro, vou tirar o curso de piloto de aviões, que é aquilo que verdadeiramente me apaixona!” Elucidativo, não?

Ora bem, ao cruzarmos estes dois tipos de variáveis tipológicas, encontramos quatro perfis possíveis de postura vivencial, ou seja, da forma como tendemos a encarar e a viver a nossa vida, ou seja, de fazer a nossa jornada por este mundo.

Os 4 perfis

Por um lado temos o Senador, ou seja, alguém que tende a achar que o que lhe acontece não depende de si e a ter um baixo grau de autoconsciência. Como não assume o que verdadeiramente quer (muitas vezes nem tem isso claro para si), tende a estar permanentemente insatisfeito, apesar de achar que fez tudo certo. Por isso mesmo, culpa o contexto e os outros de todos os males, de todos os azares e infortúnios, tendendo a olhar para a vida pelo lado do copo meio vazio. Tende a ser uma pessoa amarga e que se leva demasiado a sério, tendendo para o conflito e para desenvolver relações baseadas em emoções negativas. Tal como um “senador” (passe o estereótipo), assume uma postura de sobranceria perante os outros. Estas são pessoas que tenderão a ter um rácio de felicidade baixo (sobre este conceito, da autoria da Barbara Fredrikson, ver o meu post “Gestão da Felicidade”).

Por outro lado temos o Poeta, ou seja, alguém que mais uma vez tende a achar que o que lhe acontece não depende de si, mas, ao contrário do Senador, tem um alto grau de autoconsciência. Como sabe o que verdadeiramente quer (mas muitas vezes não tem a capacidade de tomar a iniciativa para lá chegar), tende a estar permanentemente insatisfeito, revisitando sem parar o que seria a sua vida se tivesse tomado a iniciativa de mudar o curso dos acontecimentos. Por isso mesmo, culpa o contexto e os outros de todos os motivos que o impediram de tomar boas decisões, e, tal como o estereótipo do “poeta”, desenvolvendo uma atitude melancólica face à vida que gostaria de ter ou de ter tido, tendendo a olhar para a vida mais uma vez pelo lado do copo meio vazio. Os poetas tendem a ser pessoas tristes e que têm baixa autoestima, tendendo para a submissão ou para o evitamento do conflito, desenvolvendo relações desequilibradas, plenas de frustração e baseadas em emoções negativas. São também elas pessoas que tenderão a ter um rácio de felicidade baixo, exceto se tiverem a sorte de lhes calhar uma vida de feição com as suas aspirações, apesar de não terem feito nada por isso.

Do lado do locus de controle interno temos primeiramente o Gladiador, ou seja, alguém que tende a achar que o que lhe acontece depende acima de tudo de si, mas, ao contrário do Poeta, tem um baixo grau de autoconsciência. Como não sabe o que verdadeiramente quer (ou sabe, mas não tem a coragem de o assumir), tende a estar permanentemente insatisfeito, lutando sem parar para mudar o curso dos acontecimentos. Por isso mesmo, culpa-se a si próprio por não ser feliz, acreditando que se continuar a lutar vai lá chegar (mesmo que não seja claro como). Muitas vezes o Gladiador consegue compensar de alguma forma a sua frustração com a dimensão da sua vida que não o realiza, tendendo a brilhar e a realizar-se noutras dimensões. Um exemplo típico é alguém que se realiza e pleno em termos profissionais e cívicos, como forma de compensar uma vida pouco ou nada realizada ao nível dos afetos. O exemplo oposto também se mostra muito frequente, pela minha experiência profissional. Um gladiador, sendo um lutador, tende a olhar para a vida pelo lado do copo meio cheio, mesmo quando há adversidades, procurando a felicidade através da conquista de novos ganhos e ignorando o mais possível as perdas. Os gladiadores tendem a ser pessoas alegres e extrovertidas, com enorme orgulho e alta autoestima, tendendo para a afirmação persuasiva ou mesmo para a afirmação territorial, não temendo o conflito. Desenvolvem relações desequilibradas, plenas de altos e baixos emocionais. São pessoas que tenderão a ter um rácio de felicidade alto, se bem que com dificuldade em manter esse rácio de forma consistente.

Por fim temos a postura vivencial do Herói, ou seja, alguém que tende a achar que o que lhe acontece depende também de si, mas, ao contrário do Gladiador, tem um alto grau de autoconsciência e uma enorme coragem, inclusive para assumir as suas fraquezas, defeitos e contradições. Sabe o que verdadeiramente quer (e tem a coragem de o assumir), pelo que tende a estar permanentemente em paz consigo próprio, mesmo quando segue o caminho menos convencional ou mais difícil para mudar o curso dos acontecimentos de forma a levar uma vida mais autêntica. Por isso mesmo, assume a dor e as potenciais perdas que as suas decisões podem implicar como sendo o preço para ser feliz, acreditando que se continuar pela trilha certa vai atingir a realização plena (mesmo que não seja evidente durante as agruras da caminhada). Muitas vezes o herói consegue compensar de alguma forma o potencial escrutínio social através da sua sensação de plena realização, de coerência e de gratidão pela caminhada que tem a sorte de fazer, com as suas dificuldades e fraquezas, mas também com a ajuda de muitos. O herói tem a coragem de assumir que não sabe tudo, logo é o mais eficaz dos aprendizes, tendo noção plena do seu auto desenvolvimento e sabendo lidar bem com as suas limitações. Um herói, sendo um otimista corajoso, tende a olhar para a vida pelo lado do copo meio cheio, mesmo quando há rejeição ou adversidades, vivendo a felicidade através da fruição dos mais pequenos ganhos e desvalorizando as perdas, ou, em muitos casos, aprendendo a perceber (olhando em retrospetiva) os ganhos de longo prazo que estão escondidos em perdas de curto prazo. Os heróis são atribuidores de sentido por excelência, e tendem a ser pessoas alegres e serenas, com forte e sadia autoestima, temperada pela sabedoria. Tendem para uma afirmação cooperativa, sendo contagiantemente entusiásticas. Tendem a desenvolver relações equilibradas, tendo boas hipóteses de desenvolver um rácio de felicidade alto e consistente.

Apesar de não ter evidência empírica que o confirme nem instrumentos que o meçam, a minha experiência profissional e pessoal sugere-me que, muito provavelmente, tenderão a existir entre nós mais Poetas e Senadores que Gladiadores e Heróis… Acredito porém que a Postura Vivencial, apesar de ser uma tendência, também pode ser uma opção consciente, que pode ser cultivada. Espero poder desenvolver melhor estes conceitos no futuro, e investigá-los adequadamente. Afinal, levaram-me a escrever compulsivamente este post até às tantas da madrugada 🙂

Deixo-vos com uma referência ao site da Penn University sobre Authentic Happiness, bem como com um vídeo muito interessante do famoso investigador Martin Seligman, sobre o seu livro “Authentic Happiness”. Enjoy it! 😉