Trends

Os pais são para sempre

Os pais são para sempre. Eis uma frase que só comecei a entender quando fui pela primeira vez chamado a assumir essa condição única e transformadora a que se chama “paternidade”. E que só entendi em pleno há pouco tempo.

Uma amiga minha costumava dizer que só há duas pessoas no mundo: os que têm filhos e os que não têm filhos. Uma frase que só entendemos em pleno depois de termos os nossos filhos, sejam eles de sangue, adoptados ou mesmo escolhidos (sim, enteados ou sobrinhos ou afilhados também podem ser nossos filhos por escolha, como os adoptados ou os de sangue). Quando temos à nossa responsabilidade aqueles pequenos (ou não tão pequenos) seres humanos, umas vezes carinhosos outras vezes apenas armados em parvos, a verdade é que nós passamos a ser deles e eles passam a ser nossos.

A paternidade muda a nossa vida para sempre. Deixamos de ser o centro do mundo para passarmos a viver num mundo com várias centros. Cada filho é um centro. Por eles daríamos a vida. Por eles e com eles tornamo-nos melhores seres humanos. Não há maior suplemento de humanidade do que ser pai.

Ser pai é um acto de atenção permanente, de entrega, mas também de firmeza e de integridade. Não há melhor compasso moral do que, quando não sabemos se vamos fazer a coisa certa, perguntarmos a nós próprios: “se eu contasse isto aos meus filhos sentir-me-ia bem, tranquilo, em paz?” … e se a resposta for não, teremos ultrapassado a tantas vezes ténue fronteira do que está certo, daquilo que é moralmente o legado que lhes queremos deixar.

Os pais são para sempre porque ao transformarem-se com a paternidade também nos transformam, com o seu exemplo, com os seus ensinamentos, com o seu carinho e com o seu amor. Ser pai é cuidar, é ensinar, é estar lá para os filhos sem deixar que eles se sintam assoberbados com a nossa presença. É simplesmente estar lá, mas deixando os filhos voar.

Tive a sorte de ter um pai assim, que me ensinou a ser quem eu sou hoje. Foi com ele que aprendi os valores fundamentais da justiça, da família, do amor e da verdade. Foi com o exemplo dele que aprendi a revoltar-me com as injustiças, a intervir sempre que presenciava algo errado ou injusto. Porque os nossos pequenos gestos podem fazer (e fazem) a diferença.

Foi com ele que aprendi que aquilo que nos define não são as palavras que dizemos, as nossas origens ou as nossas intenções. Aquilo que nos define enquanto indivíduos, enquanto seres humanos, são os nossos actos e os nossos gestos. Um pequeno gesto define quem somos e pode mudar a nossa vida para sempre. Foi ele que me ensinou isso.

Foi com ele que aprendi que a nossa família é a nossa tribo, aqueles que nos amam incondicionalmente apesar dos nossos muitos defeitos. E foi também com ele que aprendi que a nossa família é composta por aqueles que escolhemos e que nos escolhem, e não por aqueles que nos calham em sorte na lotaria genética. E é por isso que tanto podemos acolher de braços abertos novos membros da família como podemos deixar outros partir. Esses que partem não os esquecemos, apenas não os deixamos aproximarem-se para sugarem a nossa boa energia.

Este mesmo princípio se aplica com os amigos, uma parte especial deste conceito alargado de família, como o meu pai me mostrou a vida toda. Porque aquilo que nos define são os nossos actos e as nossas escolhas.

Foi com ele que aprendi que o amor pleno é possível. Foi o exemplo dele com a minha mãe que me inspirou a vida toda e me levou a procurar esse mesmo tipo de amor, até finalmente encontrar o amor da minha vida. Também por isso, obrigado Pai.

E foi com ele que aprendi que a verdade é a cola que une tudo isto. Sem autenticidade, sem verdade e genuinidade, não há justiça, família ou amor que prevaleçam. O seu riso contagiante era um exemplo dessa mesma genuinidade. As suas frases inesperadas e desconcertantes, com uma partilha ou uma opinião absolutamente inesperadas, eram gotas frequentes desse mesmo oceano de verdade que o caracterizava.

Generatividade era, a par da sua alegria, uma das suas marcas. Querer cuidar dos outros, bem como deixar-lhes um legado, eram marcas suas. Desde pequenos apontamentos, como avisar-me sempre que a hora mudava, sempre que estava na hora de pagar o condomínio ou sempre que era altura de dar os parabéns a um familiar, a gestos de maior desprendimento e dedicação como ajudar na mudança da minha casa com pequenos trabalhos de bricolage feitos com enorme entusiasmo, mesmo já octogenário.

A criteriosa biblioteca que colecionou para deixar aos filhos, o relato da sua vida escrito pacientemente no seu computador, ou os sensatos conselhos que continuava a dar-nos, são outros exemplos do legado que nos quis deixar (e deixou).

Ser pai é estar presente. Como ele sempre esteve. Sem impor a sua presença, mas estando lá para nós e apreciando o convívio connosco. Era fabuloso ouvir as suas gargalhadas enquanto nos ganhava invariavelmente nos jogos de cartas. Inesquecível o seu brilho nos olhos quando, aos 84 anos, foi connosco aos Açores e, com isso, andou de avião pela primeira vez na vida. Enternecedor o seu entusiasmo juvenil quando preparou a mala para essa viagem com três meses de antecedência.

Partiste faz hoje um mês, Pai. Partiste em paz, após uma vida bem vivida. Sei-o porque estava lá e nunca esquecerei o teu olhar na partida. Um olhar pleno de serenidade e amor. Fazes-me falta. Mas porque ser pai é estar presente, sei que estás sempre comigo.

E por isso hoje compreendo plenamente.

Os pais são para sempre.

Até já, Pai Costa!

Recomendações, Reflexões

A felicidade é uma consequência, não um fim em si mesmo!

Escrevo este post a propósito de uma magistral TED Talk que tive o privilégio de ver, dada pela escritora Jennifer Senior, intitulada “Para os pais, a felicidade é uma fasquia muito alta“.

Nesta palestra, a escritora começa de forma provocatória por referir como constatou que a secção para pais nas livrarias é esmagadora — é “um monumento gigantesco, com cores de rebuçados, ao nosso pânico coletivo”. Não poderia deixar de concordar mais com ela. Basta dar um pulo à FNAC e constatar: se para sermos bons pais tivéssemos de ler todos os livros de autoajuda que por lá proliferam, teríamos de dar a tarefa por concluída por alturas do momento em que, provavelmente, já seríamos avós 🙂

Esta evidência resulta de uma enorme ansiedade que os pais atuais vivem relativamente ao papel que assumem enquanto responsáveis pela educação e pelo destino dessas pequenas criaturas por nós trazidas ao mundo: os filhos.

Esta ansiedade resulta de uma conceção socialmente consensualizada sobre o que é ser um pai de sucesso na sociedade ocidental. Essa ideia socialmente construída e tacitamente aceite pela maioria é tão perfeita e liofilizada que a expetativa de falhar nesse propósito é fortemente gerador de ansiedade. E porque é que os pais estão tão cheios de ansiedade? Porque o objetivo dos pais consiste em criar crianças felizes.

Qual o mal disso? – perguntam vocês… De facto, qualquer pai deseja que os seus filhos sejam felizes. Faz sentido e é meritório e altruísta. Acontece simplesmente que não é realista (já veremos porquê) 🙂 Acresce ao irrealismo deste objetivo um sentimento de culpa exacerbado por uma geração X que investiu demasiado tempo no sucesso profissional e muito pouco tempo na dimensão pessoal da sua própria felicidade. Esta geração de potenciais workaholics sente culpa por não passar tanto tempo com os filhos, e por estar sem energia nem paciência para eles quando chega do trabalho. Se aliarmos a isto a tendência de compensar este défice surfando na onda consumista em que vivemos, leva a que muitas vezes acalmemos a nossa consciência com mais um Action Man ou mais uma PSP que lhes oferecemos. Para logo a seguir nos sentirmos ainda mais culpados por termos “comprado créditos” desta forma 🙂 Eu sei… é de loucos!

Ora bem, o que Jennifer Senior diz com enorme sabedoria é que devemos baixar um pouco as nossas expetativas: a nossa missão como pais não é fazer os nossos filhos felizes, mas sim proporcionar-lhes uma boa educação, fortes e sólidos valores, e doses massivas de afeto e confiança. E isto já é tarefa de enorme magnitude, convenhamos!

O raciocínio da Jennifer faz todo o sentido: querermos criar filhos felizes coloca em nós uma carga de responsabilidade que está para lá das nossas possibilidades, uma vez que a felicidade não é um fim em si mesmo, mas sim uma consequência natural de uma vida vivida e praticada de forma virtuosa e de uma cabeça com as prioridades bem arrumadas. O princípio essencial resume-se pois a isto: se vivermos de forma virtuosa, de acordo com os nossos princípios e valores, e dando significado aos nossos atos, tenderemos a ser pessoas felizes. Et voilá… simples, não?

Por isso, pais de todo o Mundo: deixemos de tentar viver a vida dos nossos filhos por eles. Viver é aprender com as coisas boas e más, é aprender a lidar com a frustração e com o trabalho árduo, com o orgulho das realizações e com a amargura das deceções. Cabe-nos estar lá para orientar, para apoiar, mas deixando sempre que cada um faça a sua própria caminhada 🙂 Afinal, foi assim que os nossos pais fizeram connosco, certo?

Sobre gerações e suas especificidades, deixo-vos três posts muito interessantes:

1. Épocas e gerações: haverá uma especificidade portuguesa?

2. Generation Me

3. Talento e mudança geracional

Não deixem de espreitar a TED Talk da Jennifer Senior e, já agora, também este vídeo sobre o que podemos aprender com as crianças… Enjoy it! 😉