2021 – 2022… what’s next? (RH Magazine)

Nos últimos dois anos tudo mudou no mundo do trabalho (e não só). A disrupção aconteceu nas empresas. Mas essa disrupção também afetou os líderes e os colaboradores. Agora, à medida que vamos entrando na etapa pós-pandémica (sem que a pandemia tenha desaparecido), um facto torna-se claro: a relação de forças mudou.

O foco passou das organizações para as pessoas. Do lucro para o desenvolvimento sustentável. Da perspetiva individual para o bem comum. E disto mesmo, o mais tocante exemplo foi dado no último ano pelo Vice-Almirante Gouveia e Melo, a sua equipa e todos os profissionais de saúde que participaram no plano de vacinação. O primado do bem comum.

Cada um de nós começa agora a fazer perguntas acutilantes sobre o trabalho que realiza. Porque é que estou a fazer isto? Para que serve? Qual é o meu propósito? Como é que o podemos fazer melhor e de forma mais sustentável? As empresas repensam o formato dos modelos de trabalho, reinventando espaços e metodologias. Estar no escritório deixou de ser “trendy”, passando a ser a palavra de ordem “estar com as equipas”.

Muitos profissionais estão a optar por deixar os seus empregos. A competição para atrair novos talentos está a crescer mais ferozmente do que nunca e a proposta de valor passa agora por mais flexibilidade, mais work life balance e mais sustentabilidade.

Isto representa ao mesmo tempo uma ameaça e uma oportunidade para as empresas em todo o globo. Nunca como hoje uma organização é tão boa como as pessoas que emprega; pelo que as organizações que querem prosperar em 2022 terão de responder a esta nova dinâmica do mercado de trabalho. 

Há que olhar para além dos objetivos puramente quantitativos para considerar (de facto) as necessidades das pessoas que compõem o seu ecossistema. Há que tratar (de facto) os empregados como seres humanos, multidimensionais e complexos, mas ao mesmo tempo multifacetados e versáteis, em vez de olhar para eles como meros recursos, como meras peças de uma máquina organizacional. Há que quebrar silos organizacionais e sobretudo mentais, e superar os desafios do trabalho remoto para assegurar que as pessoas se sintam ligadas ao propósito e visão da empresa e umas às outras. Há que abraçar as possibilidades do futuro e fazer acontecer, trabalhando para um amanhã melhor e mais sustentável. 

Vejamos como esta nova era de humanidade se irá desenrolar nas diversas áreas que estão a dominar as tendências do futuro do trabalho em 2022.

  • Novas formas de trabalhar – Como podemos sequer pensar em seguir em frente quando os últimos dois anos foram sido apenas dedicados a sobreviver? A mudança foi abrupta, forçada, extrema, puramente reativa. Mas de toda esta mudança perturbadora surgiram coisas muito positivas e entusiasmantes. “Por exemplo, o Home Office foi experienciado de forma forçada e abrupta em larga escala proporcionando um ensaio a empresas e trabalhadores, precipitando a adoção desta modalidade de trabalho para valores que demorariam alguns anos a atingir, com um impacto significativo em praticamente todos os processos de gestão de pessoas”, diz-nos Isabel Lima, Diretora de Recursos Humanos do grupo Smile Up.  Aprendemos a trabalhar de uma forma totalmente diferente. Colaborámos, inovámos, co-criámos, fomos ágeis e flexíveis como nunca antes tínhamos sido. Tudo o que é necessário para reinventarmos as organizações e permanecermos competitivos. O futuro continuará a ser cheio de oportunidades e desafios: as alterações climáticas, a quarta revolução digital, bem como o novo paradigma do cliente inconstante. Se não estivermos obcecados com as necessidades do cliente, estamos condenados a não prevalecer. Por isso estamos a explorar métodos de produção mais flexíveis e estamos a colocar as pessoas no centro de tudo o que fazemos, potenciando a sua produtividade com tecnologia. E continuaremos a ligar-nos uns aos outros e ao propósito da nossa organização. Por isso a tendência será reforçar o foco no employee experience.  Reforça-se assim a abordagem de Employee Experience Design, que cria jornadas de experiência para os colaboradores como antes se faziam jornadas para os clientes de uma organização. Cultura e engagement voltam a estar na ordem do dia, mas embutidos numa experiência, aquilo que os millennials compram. Um olhar atento por parte do RH para perceber como decorre a jornada do colaborador será essencial para a retenção de talentos e a redução das taxas de turnover. “Aumentar o “commitment” de colaboradores deve ser um dos principais objetivos dos gestores de RH em 2022”, reforça Isabel Lima. Após a pandemia, tornou-se irreversível o uso da tecnologia para potenciar um estilo de trabalho cada vez mais flexível e participativo, em que os contributos fluem de forma mais eficiente. Isso vai ser resultado natural da inevitável desmaterialização progressiva dos postos de trabalho e dos horários de trabalho em favor de uma cultura de resultados em formato híbrido. Por fim, destaque para a necessidade de estarmos ainda mais próximos dos colaboradores devido aos impactos da pandemia, pelo que devemos procurar formas de aumentar o envolvimento dos colaboradores, implementando metodologias de feedback para que a sintonia entre os membros das equipas seja aprimorada. Se não perguntarmos e não escutarmos ativamente, perdemos oportunidades de ajudar as pessoas a desenvolverem-se e sentirem-se mais integradas, apoiadas e satisfeitas…
  • Novas formas de aprender – Cada vez mais a aprendizagem tenderá a ser feita via multi-canal, por combinações entre trocas informais de conhecimento, ofertas digitais de conteúdos e fortes experiências de aprendizagem em formato blended, baseadas na co-criação e na produção de resultados relevantes. O desenvolvimento de competências mantém-se como a prioridade dos líderes, sendo referido por vários dos entrevistados para esta peça alguns desafios, como por exemplo a necessidade de ganhar proficiência digital, participar eficientemente em reuniões e formações online e (talvez a mais referida preocupação) sobreviver ao afastamento físico forçado. Surge assim a necessidade de trabalhar áreas “…como a confiança, coesão, inovação e saúde/ bem-estar, para garantir a humanização das organizações.”, como sublinha Tânia Batista, Diretora da Academia de Formação e Desenvolvimento da EMEL. Também a promoção do upskilling, utilizando plataformas de formação e-learning, bem como do reskilling, num esforço de reconversão de profissionais, marcarão as tendências para 2022. A tendência será para investir em experiências de aprendizagem rápidas, potentes e significativas, centradas em ferramentas e resultados práticos, como pedem os millennialsmas também as outras gerações. Abordagens de criação de experiências de aprendizagem como o recurso a MOOCs (Massive Online Open Courses), HackathonsShark TanksBootcampsInnovation Labs e outras vão passar a fazer parte do nosso dia-a-dia no mundo das organizações, cada vez mais mesclado com instituições de ensino e players privados diversificados (produtores de conteúdos, coachs, evangelistas, etc.). Ao falarmos de aprendizagem, surgem como tendências o lifelong learninge a formação online.  Hoje, as empresas necessitam de profissionais sempre prontos para aprender, que se desafiam e focam no desenvolvimento constante. Em termos de formatos de aprendizagem, a pandemia obrigou-nos a uma rápida adaptação à formação pela via virtual.
  • Novas formas de atrair: o Recrutamento Cognitivo – as novas tecnologias estarão cada vez mais “casadas” com a identificação e atração de talento, permitindo aliar soluções potentes de automação de processos a machine learning preditivo sobre os melhores candidatos,  bem como abordagens cada vez mais originais de comunicar a proposta de valor dos empregadores num ecossistema cada vez mais complexo, digitalmente ligado, mas que não dispensa (antes exige), cada vez mais conexão humana, significativa, rápida, mas relevante. Uma experiência do candidato “puramente digital” aconteceu nestes dois anos e vários players no mercado começaram a apresentar soluções e plataformas que aliam realidade aumentada, assessments online, bem como gamification, numa experiência integrada e gerida também digitalmente. As empresas irão ajustar o tipo de competências que procuram nos candidatos, uma vez que competências comportamentais como a Resolução de Problemas, a Resiliência, o Empenho e competências técnicas como o conhecimento de Novas Tecnologias serão indispensáveis nos colaboradores a incorporar nas forças de trabalho. Como nos relata Sónia de Oliveira e Sasportes, Diretora de Recrutamento, Seleção e Formação da Prosegur “… já temos ao nosso dispor diferentes ferramentas de avaliação on-line, um software de entrevistas on-line e em diferido, um sistema de avaliação psicométrica com base na gamificação (técnica de jogos), entre outros. Estes novos softwares para além da eficácia processual, ainda nos permitem ter acesso aos resultados de uma forma imediata e originam um menor investimento financeiro no processo de recrutamento.”.
  • A reinvenção da Liderança – os profissionais vão ser expostos a vários líderes ao longo do tempo, porque passam a trabalhar cada vez mais em projetos e por missões. As relações hierárquicas vão ficar esbatidas por vínculos menos fortes e uma mobilidade acelerada, que fazem dos novos líderes inspiradores de equipas e mentores dos seus colaboradores, tendo de ser os guardiões da visão de conjunto do feedback constante de múltiplos beneficiários do trabalho dos membros da sua equipa. Um trabalho de atenção permanente que tenderá a ser agilizado pela tecnologia, em que a liderança passa a basear-se em momentos de acompanhamento e partilha a ciclos cada vez mais curtos. Essa foi uma das grandes surpresas da pandemia. A perceção de que tinham perdido a proximidade às pessoas levou a que muitos líderes procurassem compensar de alguma forma essa perda com um estreitar dos ciclos de acompanhamento e orientação. Subitamente, líderes que iam liderando a equipa através de interações casuais e não programadas, por vezes a ciclos longos e irregulares, deram por si a sentir a necessidade de desenvolver rituais de partilha e pontos de situação a ciclo curto e regular (uns semanalmente, outros até diariamente). E desta forma, líderes que antes não tinham tempo para acompanhar as suas equipas, deram por si a ter tempo para o fazer. Porque as prioridades mudaram. A tendência será para manter esta preocupação no regresso ao presencial, até mesmo por exigência das próprias equipas. Como bem destaca Isabel Lima, “Os líderes possuem um papel fundamental no desenvolvimento das suas equipas, principalmente num cenário tão competitivo quanto o que vivemos. Uma das suas principais missões é identificar potencial. Assim, o investimento em desenvolvimento dos líderes para essa identificação e fornecer feedback é uma das tendências de RH de 2022.”.
  • People Analytics – o People Analytics é um termo já nosso conhecido na comunidade de profissionais de recursos humanos e que vai ganhar ainda mais espaço em 2022. O uso de soluções e sistemas especializados, que podem avaliar informações referentes aos colaboradores, para que os gestores tenham um melhor entendimento sobre o papel de cada um no negócio vai ser algo cada vez mais comum na nossa prática profissional. Cada vez mais informação a fluir gerará volumes de dados cada vez maiores. A capacidade de os processar e interpretar vai tornar o trabalho dos gestores e dos profissionais de RH algo de muito mais interessante, menos operativo e mecânico e mais interpretativo, fundamentado, certeiro e ágil. O analytics surgirá assim a suportar uma cultura de justiça percebida e de decisões cada vez mais fundamentadas, em que “a gestão passa a ser mais eficiente, sendo que o conhecimento empírico continua a ser importante, mas ao lado da interpretação dos dados”, como realça Isabel Lima.
  • Um novo foco na saúde e bem-estar – as tendências de futuro nesta área indicam que há uma elevada preocupação com o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e o impacto do excesso de horas de trabalho que, dizem os estudos de mercado, aumentaram de forma genérica com a pandemia. A permanente conectividade foi muitas vezes confundida de forma abusiva com total disponibilidade, levando a uma distensão da jornada de trabalho que levou a muitos casos de “fadiga digital”. O stress e a ansiedade são cada vez mais apontados como um dos principais riscos para o desempenho das empresas, cujo crescimento durante o confinamento foi bem documentado e reportado, levando a toda uma discussão à volta da segurança psicológica. Desta forma, o bem-estar será uma das prioridades estratégicas para o futuro sustentável das organizações. Por isso mesmo assistimos a uma tendência de crescimento na diversidade da oferta no segmento de bem-estar, que ganha cade vez mais ganha uma nova relevância. Como nos testemunha Carla Barros, Responsável da Estratégia de Bem-Estar no Grupo EDP, “o bem-estar dos nossos colaboradores é visto como essencial para o desenvolvimento do negócio. Queremos, por isso, promover um ambiente de trabalho saudável, possibilitado por uma experiência centrada nas nossas pessoas e que permita a todos dar o melhor de si.”. Com a pandemia, o modelo de trabalho mudou. Muitas empresas estão a adotar o modelo de trabalho híbrido, em que parte do tempo os colaboradores estão em trabalho presencial e outra parte em trabalho remoto, pelo que “a utilização de tecnologias, a conciliação do trabalho com a vida pessoal, os estilos de vida, a socialização, são fatores que vão claramente determinar as tendências de saúde e bem-estar para 2022”, como realça Alexandra Pinote, Head of Health da Galp. As organizações, com os seus departamentos de saúde e segurança, recursos humanos e comunicação (numa abordagem necessariamente integrada e alinhada) terão que dar resposta aos riscos decorrentes desta nova forma de trabalhar, designadamente através de iniciativa multidisciplinares e multi-target, como a formação das lideranças; investimento na prevenção da saúde mental; empoderamento dos colaboradores como forma de gerir a flexibilidade (autonomia e responsabilização em troca de liberdade); gestão cuidada das cargas e horários de trabalho praticados; prevenção das doenças musculo-esqueléticas (ergonomia); promoção de estilos de vida saudáveis (exercício físico, nutrição, hidratação e sono). “Nem todas as organizações estarão certamente no mesmo patamar em termos de investimento na saúde e bem-estar dos seus colaboradores, mas o caminho faz-se caminhando, pelo que faço votos para que com pequenos passos as empresas possam ir melhorando a vida dos seus colaboradores, tornando-os mais saudáveis, produtivos e felizes.”, enfatiza Alexandra Pinote;
  • A reinvenção das políticas de compensação – a área de compensação e benefícios vai sofrer uma profunda transformação, que vai exigir a redefinição de estratégias para responder aos desafios do trabalho híbrido e flexível, mas também aos desafios do trabalho remoto. Há que encontrar respostas competitivas, mas ajustadas a um novo enquadramento legal que inevitavelmente surgirá (não tão depressa como gostaríamos). Para além disso, as políticas de compensação terão de dar desde já uma resposta ágil e eficaz às necessidades e preferências específicas de quem tem perfis de trabalho remoto – os nómadas digitais -, que estão no mercado de trabalho à escala global, o que implica ter de ser competitivo face a players que jogam com outras leis e outras regras de mercado… Bruno Nereu, Total Rewards Manager da IKEA, destaca que “Há um enorme desnível na remuneração em Portugal face aos seus vizinhos europeus e há também grandes desníveis no País e nas organizações. A desigualdade salarial de género é um exemplo desse problema a que é urgente dar resposta; mas não é o único.”.

Como nos alerta um recente artigo da Forbes,  por muito que se fale sobre trabalho remoto e desmaterialização do local de trabalho, há muitas ocupações e profissões onde isto simplesmente não é uma opção. Para os trabalhadores da linha da frente nos cuidados de saúde, retalho, ensino, transportes e segurança – entre muitas outras indústrias – palavras-chave como “local de trabalho híbrido” têm provavelmente muito pouco impacto na sua vida quotidiana. Mas é pouco provável que permaneçam intocados por outras tendências que aqui abordámos, uma vez que a tecnologia abre oportunidades para novas formas de trabalho e continua a redefinir a relação entre nós e os nossos locais de trabalho.

2022 está aí à porta… so, what’s next?

Ricardo Fortes da Costa

Diretor da RH Magazine

Novembro 2021