Devo esta nota de reflexão ao Desidério Murcho, que no blog De Rerum Natura publicou um interessantíssimo post intitulado “Três Enganos Comuns”.
Estes enganos mais não são que três armadilhas de raciocínio, em que qualquer um de nós pode cair, seja porque somos por natureza falíveis, seja porque estamos por vezes mais interessados em provar a verdade das nossas ideias preferidas do que em tentar saber honestamente se realmente são verdadeiras.
Os três enganos são:
- Engano da Consistência – como diz Desidério Murcho, “a mera consistência não é suficiente para estabelecer algo como plausível ou verdadeiro, dado que muitas coisas opostas são consistentes com os mesmos dados”. O autor dá vários exemplos do dia-a-dia, sendo que me ocorre contribuir com um exemplo da minha própria vivência empresarial: o mito de que uma elevada rotação nas organizações reflecte necessariamente um mau clima social. Se há coisa que aprendi ao passar do sector financeiro para o mundo das TI foi a perceber a falácia desse apriorismo. Um rácio só por si não significa nada. Aprendi em poucas semanas que o mundo das TI é mais dinâmico, mais volátil e exigindo um corpo de conhecimentos que evolui a uma velocidade enorme. Neste tipo de actividade é normal a rotação ser elevada, não porque haja mau clima, mas porque há alta competitividade, forte circulação de conhecimento e o recurso a uma força de trabalho fortemente qualificada – os knowledge workers;
- Engano da Causa Provável – como refere o autor, “há muitas explicações concorrentes e não basta que algo explique uma coisa para isso ser verdade. É também preciso que essa seja a explicação mais plausível entre muitas outras e que resista melhor à discussão crítica”. Isto relembra-me a clássica situação a que eu chamo de “eurovelcro”, ou seja, a ideia de que, para reter um talento, é essencial aumentá-lo, pois por dinheiro ele permanecerá na organização, aconteça o que acontecer. Se há coisa que aprendi nos últimos anos foi que os talentos valorizam muitas vezes factores menos óbvios, que não tanto o dinheiro (cf. O Paradoxo de Ícaro);
- Engano da Verdade Conveniente – como bem diz o autor, “sempre que uma explicação ou pretenso facto é particularmente desejável para nós, temos de a avaliar com redobrada crítica precisamente porque podemos estar a pôr na realidade o que queremos e não o que lá está”. A propósito deste engano, nunca me esqueço do protocolo que celebrei com um SPA, para melhorar a qualidade de vida dos colaboradores da empresa onde estava, o qual teve uma nula adesão… porquê? Porque o que aquele público em específico valorizava eram oportunidades de desenvolvimento profissional rápido, e não tanto ter acesso a massagens mais baratas! Todavia, era fácil irmos atrás da música das boas práticas “politicamente correctas”, adoptadas por outras casas…
Este post não só me relembrou estes casos, que constituíram aprendizagens valiosas para a minha actividade, como me levaram a reflectir naquilo que é a conjugação dos três enganos de forma consistentemente concertada no mindset de alguns líderes que conheci ao longo da vida: aquilo a que eu chamo o Mito da Coerência Estratégica.
Este mito resulta da ideia feita sobre a pretensa superioridade ou infalibilidade dos líderes. Esta ideia, herdeira directa da mentalidade que associa a liderança exclusivamente às relações de poder – cf. o meu artigo “A Pesada Herança de Roma” -, leva a que muitos líderes teimem em manter teimosamente o rumo que traçaram para as suas organizações, mesmo quando as evidências apontam para o erro dessa opção.
Este tipo de líder, seja por não querer assumir a sua falibilidade, seja por acreditar efectivamente na sua infalibilidade, acabam por (conscientemente ou não) negar as evidências dos seus erros, encontrando uma miríade de justificações (por vezes imensamente criativas) que ajudam a validar que, apesar dos maus resultados, a sua estratégia é a correcta e deve ser mantida.
A gestão imediatista que tantas vezes se pratica nas organizações, é disso exemplo, e potencia este tipo de mindset, ao não permitir que se olhe para a gestão em perspectiva – cf. o meu post sobre o Efeito Laplace.
Quantas vezes as organizações buscam no meio envolvente a resposta para o facto de perderem talento, valor ou competitividade, sem terem a ousadia de levar os seus gestores a olharem-se ao espelho…
Obrigado pela sua referência; achei muito interessante a aplicação destas ideias à gestão empresarial. Um pequeno apontamento que publiquei no Público pode ser também relevante para si, dado que fala da ilusão de que alguns seres humanos têm um acesso privilegiado à verdade. Como refere isso no seu comentário, lembrei-me do apontamento. Está aqui:
http://criticanarede.com/html/ed_120.html
(Exige subscrição, mas posso mandar-lhe por email se quiser, em PDF.)
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Caro Desidério, obrigado pelo seu comentário. As suas peças de escrita têm sido um estimulante intelectual que tenho tomado regularmente ao longo dos últimos anos. Esta não é aliás a primeira referência que lhe faço: dê uma espreitadela ao meu post sobre ciência e talento em
https://mentesbrilhantes.wordpress.com/2008/08/15/ciencia-o-talento-nao-e-coutada-dos-gestores/
Ficaria muito satisfeito em receber por mail o pdf com o seu apontamento.
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